ONS migra para ML, mas desagrada agentes
Maurício Corrêa, de Brasília —
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tomou a decisão histórica de migrar para o mercado livre. Em tese, é uma iniciativa que deveria estar sendo intensamente comemorada pelos agentes de comercialização, mas o edital lançado pelo Operador mais desagradou do que agradou.
O principal motivo de descontentamento por parte de comercializadores é o fato de o edital exigir desses agentes, no mínimo, 300 MW de geração própria, em operação comercial, embora a compra seja de apenas 1,702 MWm. “A exigência se deve estritamente por questões de segurança no fornecimento de energia. O fornecedor deve ter lastro próprio”, informou o Operador a este site.
Um grande comercializador ouvido pelo Paranoá Energia afirmou que a exigência do ONS é “inteiramente descabida. Verdadeiro absurdo. Teria sido muito mais fácil o ONS, no edital, especificar que não vai comprar energia dos comercializadores independentes”, ironizou a fonte. “No mercado, todo mundo desconfia que o ONS não gosta da comercialização. Com certeza, esse item do edital dá margem a pensar dessa forma”, acrescentou a fonte.
Para o Operador, “a exigência se deve estritamente por questões de segurança do fornecimento da energia”. Até mesmo a associação dos comercializadores, a Abraceel, que mantém um diálogo com o ONS sempre pautado pela cordialidade, os termos do edital limitam a atuação dos associados. “O ONS tem todo o direito de fazer isto e exigir o que quiser no seu edital, mas o fato é que os 300 MW restringem a participação”, afirmou o diretor de Relações Institucionais da Abraceel, Frederico Rodrigues.
Na sua visão, o ONS, sendo o responsável pelo despacho da operação do setor elétrico, dá um ótimo exemplo para os agentes econômicos, pois mostra que através do mercado livre consegue melhores preços para a energia que consome. No caso, a compra vai abastecer os escritórios do ONS no Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Florianópolis.
Rodrigues lembrou que, há alguns meses, o próprio Governo Federal tomou a iniciativa de realizar um estudo visando à contratação, pelos órgãos da administração direta, de energia no mercado livre. Por isso, ele entende que o Operador, ao migrar do mercado cativo para o livro, toma uma iniciativa que encerra enorme simbolismo.
A Abraceel, segundo Rodrigues, conta hoje com 95 empresas associadas. Ele não teve tempo ainda para examinar quantas delas poderiam se enquadrar no grau de exigência do edital do ONS, em termos de geração própria. “Ainda não fizemos o levantamento”, reconheceu.
Além dos 300 MW, outra exigência feita pelo ONS é que eventuais comercializadores interessados em participar do edital deverão contar com, no mínimo, três anos de prazo de autorizações emitidas pela CCEE. Portanto, o edital deixa de fora dezenas de comercializadoras constituídas mais recentemente e que engordaram o quadro de associados da Abraceel.
A contratação a ser feita pelo Operador, segundo cálculos de um especialista do mercado, pode significar algo em torno de R$ 230 mil mensais, no caso da energia incentivada, valor que não é exageradamente alto, mas é considerado bastante razoável em relação ao mercado. As dúvidas existentes no mercado dizem mais respeito a questões de princípios.
Segundo o edital, a empresa de consultoria Thymos Energia fará a gestão da licitação. Isso, a princípio, causou uma certa desconfiança por parte de agentes, pois a Thymos, embora seja uma consultoria independente, tem entre os seus 10 sócios dois dos atuais controladores da Delta Energia, que é uma das maiores comercializadoras do País. O ONS, entretanto, garantiu a este site que “a Delta Energia, devido a relação com a Thymos Energia, não poderá participar do leilão”. A mesma explicação foi dada por Antônio Iannaco, diretor da Thymos.
Frederico Rodrigues, da Abraceel, não tem qualquer tipo de preocupação com relação ao envolvimento da Thymos com esse edital. “É uma consultoria independente de grande reputação e nós mesmos, da Abraceel, eventualmente a contratamos para algum serviço técnico”, declarou.
Embora tenha sido consultado a respeito, o ONS não disse, entretanto, se há restrições para empresas de comercialização pertencentes a conglomerados elétricos que contam com executivos no Conselho de Administração do próprio Operador. Este site identificou pelo menos quatro empresas que se enquadram nesse caso. São empresas de grande porte, todas em condições de atender à exigência dos 300 MW. O Operador, porém, foi seco na resposta ao questionário enviado pelo site “Paranoá Energia”: “O Conselho do ONS não tem nenhum envolvimento com esta matéria”.