MME rejeita Imposto Seletivo em óleo e GN
Maurício Corrêa, de Brasília —
O Ministério de Minas e Energia se posicionou contrariamente à adoção do chamado Imposto Seletivo previsto na reforma tributária, nas operações envolvendo o petróleo e o gás natural, em nenhuma das etapas de produção, extração, comercialização ou importação.
A posição oficial do MME foi disponibilizada no último dia 16, através de Nota Técnica, e encaminhada à equipe do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, que sistematiza as contribuições das diversas Pastas.
Antes de oficializar o seu posicionamento, o MME ouviu o setor de óleo e gás. A Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME promoveu, no dia 20 de fevereiro, uma reunião com as principais associações representativas dos setores de petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, com vistas a coletar suas percepções sobre o tema, incluindo sugestões à regulamentação.
O propósito do MME, com o encontro, foi ouvir os representantes da indústria de petróleo, gás natural e biocombustíveis, estruturar o posicionamento setorial sobre o tema e apresentá-los institucionalmente, por meio de uma visão sistematizada dos pontos considerados prioritários pelo MME, no âmbito de suas competências.
Na visão do site “Paranoá Energia”, a NT produzida teve um resultado bastante positivo, tanto pela abrangência das questões, quanto pela profundidade e acerto dos temas avaliados.
“Em relação ao setor de exploração e produção de petróleo e gás natural, a incidência do Imposto Seletivo representaria um perigoso retrocesso tributário e econômico para a indústria brasileira, considerando que pode resultar em aumento de custos para todos os bens e serviços que utilizam esses produtos como insumos, bem como teria impacto negativo na competitividade da produção nacional, tornando-a menos competitiva em comparação com o mercado externo, desestimulando a realização de novos investimentos no setor e reduzindo seu potencial de crescimento e desenvolvimento”, alegou o Ministério de Minas e Energia.
O MME também alegou na nota técnica encaminhada ao ministro Alexandre Silveira, e aceita, que “a incidência de 1% de imposto seletivo sobre o valor de mercado da produção, isto é, a receita bruta da produção, representa uma incidência muito maior que 1% sobre o lucro líquido do campo, o que irá corroer o retorno dos investimentos dos produtores, sob forte risco de que as decisões de investimento sejam declinadas. Com isso, o resultado esperado é de redução das receitas do Governo com o setor, por meio de menores tributos ou participações governamentais (royalties, participações especiais, comercialização do excedente em óleo da União)”.
Como se vê, o MME e as áreas empresariais de petróleo e gás natural estão falando a mesma língua em relação ao Imposto Seletivo no setor. Ponto para os empresários e derrota política evidente para os ambientalistas, que viam nessa discussão da reforma tributária um aspecto a ser explorado na contenção dos projetos de óleo e gás, que, na visão ortodoxa dos defensores do meio ambiente, agridem a natureza.
Além disso, o Governo também demonstrou preocupação com a parte dele na história, pois a eventual cobrança do Imposto Seletivo sobre as operações de petróleo e gás natural teria como consequência um forte impacto na arrecadação fiscal.
Diz a NT: “Ainda que o imposto seletivo seja cobrado na base de produção existente, vale mencionar que haverá uma ineficiência arrecadatória intrínseca, pois a participação especial, que é uma participação governamental dos contratos de concessão incidente sobre o resultado líquido do campo, permite a dedução de sua base de cálculo dos custos de produção, entre eles os tributos. Igual efeito ocorre para o excedente em óleo da União, que é aplicado aos campos sob regime de partilha. Registra-se que, somente em 2022, foram arrecadados R$ 66 bilhões com essas participações. Assim, por exemplo, 1 real adicional cobrado de imposto seletivo irá gerar uma arrecadação líquida menor que 1 real para os cofres do Tesouro Nacional, em função do mencionado efeito de dedução da base de cálculo de participações governamentais”.
A proposta de reforma tributária tem como intuito introduzir o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que unifica os impostos em dois grupos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) unifica vários impostos federais: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Além disso, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) unifica impostos estaduais e municipais, ou seja, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). De forma resumida, os tributaristas assinalam que a CBS atinge os impostos federais, enquanto o IBS substitui os impostos estaduais e municipais.
A Emenda Constitucional da Reforma Tributária foi promulgada pelo Congresso Nacional no dia 20 de dezembro passado, com o intuito de simplificar o sistema tributário nacional e promover uma tributação mais equitativa. O Imposto Seletivo, de caráter regulatório (não arrecadatório), surgiu numa brecha da reforma tributária, para desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Dentro do espírito do Imposto Seletivo, os legisladores também pensaram em manter a carga tributária total sobre o consumo, adotando alíquota zero ou reduzida para determinados bens e serviços (cesta básica, insumos e produção rurais, medicamentos, produtos de higiene e limpeza, serviços de educação, transporte, atividades culturais e desportivas e outros).
Nesse contexto, a NT do MME também lembrou a questão da eventual incidência do Imposto Seletivo sobre a exportação, pois a emenda constitucional não exclui as exportações da base de cálculo do pretendido Imposto Seletivo.
“Assim, sua incidência irá prejudicar a competitividade do Brasil frente ao petróleo de outros países, com risco de aumento da entrada de petróleo importado no país, dada a lógica de commodity com preço atrelado ao mercado internacional. Ou seja, uma vez que incidência do Imposto Seletivo sobre a extração de petróleo não gera, per se, um desincentivo ao consumo, o resultado tende a ser a substituição pelo produto importado, sem atingir objetivos de descarbonização e com menos riqueza gerada no país”.
Especificamente em relação ao gás natural, o MME também não pensou duas vezes em detonar o Imposto Seletivo. Entende o ministério que afetará a sua competitividade, majorando o seu custo, em sentido contrário aos objetivos do Programa Gás para Empregar.
“Um gás natural mais caro provocará aumento do custo do produto final, prejudicando a competitividade com produtos importados. Além disso, um gás natural mais caro também aumentará o custo da geração termelétrica, o que contradiz determinação da própria EC nº 132/2023 ao estabelecer expressamente que o Imposto Seletivo não incidirá sobre as operações com energia elétrica”, assinalou a NT.
Para o Ministério de Minas e Energia, com a implantação do IBS e CBS, a alíquota geral pode atingir 27,5%, segundo algumas estimativas, o que torna relevante a desoneração do investimento para a manutenção da atratividade dos novos investimentos. “No caso de infraestruturas para GNL, ainda há o regime aduaneiro especial de admissão temporária para utilização econômica, informalmente mencionado pelos agentes do setor como Regás, com suspensão total do pagamento dos tributos incidentes na importação de bens destinados às atividades de, entre outros, movimentação, armazenamento e regaseificação de GNL”, destacou a Nota Técnica do MME.
A NT preparada pela equipe técnica do Ministério de Minas e Energia é um trabalho de fôlego, analisando em profundidade todos os aspectos envolvendo a tributação das áreas de petróleo e gás no contexto da reforma tributária.
Na visão do MME, a possibilidade de incidência do Imposto Seletivo em mais de um elo da cadeia produtiva (petróleo e derivados) traz preocupações quanto aos seus efeitos sobre o preço final de comercialização ao consumidor.
“Além disso, deve-se atentar para o fato de que existem usinas termelétricas, especialmente em Sistemas Isolados, que geram eletricidade a partir do óleo diesel. Assim, ao se aplicar um Imposto Seletivo ao óleo diesel, isso aumentará o custo da geração termelétrica, o que contradiz determinação da própria EC nº 132/2023 ao estabelecer expressamente que o Imposto Seletivo não incidirá sobre as operações com energia elétrica”.
Um detalhe não escapou aos autores da NT: o atendimento às famílias carentes. O MME lembrou que a Lei nº 14.237, de 19 de novembro de 2021, que instituiu o Auxílio Gás dos Brasileiros e vai vigorar por cinco anos. “Nesse contexto, é importante a efetivação do cashback nas operações de fornecimento de GLP ao consumidor de baixa renda para ampliar as frentes de atuação no combate à pobreza energética e na redução da desigualdade social”, assinala a nota técnica.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, comemorou o envio do posicionamento do MME ao Ministério da Fazenda. O MME também destacou que o princípio da neutralidade, previsto no texto constitucional, é de suma importância para que seja garantido na regulamentação da reforma tributária, podendo ser traduzido em garantir a não cumulatividade, evitar a bitributação; as especificidades para o setor do gás natural, que precisa observar diversos pontos antes de implementar a incidência única, bem como o critério de ‘destino’ na tributação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); e a efetivação do cashback nas operações de fornecimento de gás liquefeito de petróleo (GLP) aos consumidores de baixa renda para ampliar as frentes de atuação no combate à pobreza energética e na redução da desigualdade social.
Alexandre Silveira destacou, em um comunicado disponibilizado pelo MME na internet, a importância da simplificação tributária para a geração de empregos e atração de investimentos. “A relevância do setor fica evidente quando conhecemos os números envolvidos: são mais de 128 mil agentes econômicos, que movimentaram mais de R$ 750 bilhões e arrecadaram mais de R$ 114 bilhões em ICMS aos estados, isso apenas no setor de combustíveis em 2023. Essa cadeia do petróleo, gás natural e biocombustíveis tem investimentos previstos de R$ 2,72 trilhões e potenciais 3,7 milhões de novos empregos no horizonte decenal, gerando renda e mais bem-estar para nossa população”, destacou o ministro.