ONG acusa BNDES em gasoduto argentino
Da Redação, de Brasília (com apoio da 350.org) —
A 350.org, uma ONG que trabalha contra a exploração de combustíveis fósseis, divulgou um comunicado, na noite desta segunda-feira, argumentando que a ´participação do BNDES na expansão de um gasoduto argentino, que transportará o gás natural do campo de Vaca Muerta para o Rio Grande do Sul pode se tornar “vergonha binacional”.
Segundo a ONG, o anúncio feito pelo presidente Lula, em Buenos Aires, de que o Brasil deve “criar condições para o financiamento” do projeto argentino de gás fóssil contraria o discurso de sustentabilidade do BNDES e expõe a primeira grande contradição do governo na área energética. O gás natural de Vaca Muerta é extraído através da utilização de uma tecnologia denominada “fracking” (fraturamento hidráulico), que é condenada em vários países pela agressão ao meio ambiente e ainda não está aprovada no Brasil.
Durante encontro oficial com o presidente argentino Alberto Fernández, em Buenos Aires, nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou a jornalistas que o governo brasileiro planeja financiar, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a expansão do gasoduto Néstor Kirchner (NK), na Argentina.
“Se há interesse dos empresários, e há interesse do governo, e temos um banco de desenvolvimento para isso, vamos criar as condições para o financiamento para ajudar o gasoduto [da Argentina]”, disse Lula.
Com esse investimento, o governo argentino prevê ampliar o escoamento do gás extraído da reserva de combustíveis fósseis de Vaca Muerta, na Patagônia, conectando a província de Neuquén, onde está localizada a maior parte da reserva, com a província de Santa Fé, perto da fronteira com o Brasil. A obra permitiria à Argentina vender mais facilmente seu gás fóssil ao Brasil.
“O financiamento do gasoduto pode se tornar uma vergonha binacional, porque esse empréstimo aprofundaria a dependência de combustíveis fósseis nos dois países, em um momento em que precisamos deixar as energias sujas no passado, para salvar milhões de vidas e poupar recursos preciosos”, afirma Ilan Zugman, ativista climático brasileiro e diretor da 350.org na América Latina. “Existem espaços muito mais positivos de colaboração entre esses países irmãos, como o desenvolvimento conjunto de energia renovável”, ele diz.
Para Zugman, nenhum dos lados se beneficiaria com essa decisão, que atende muito mais ao lobby de empresas e políticos ligados ao setor de combustíveis fósseis do que ao interesse nacional dos dois países.
“Do lado argentino, a decisão agrava a dependência das energias sujas, além de ampliar os terríveis impactos que a extração de petróleo e gás em Vaca Muerta produz sobre as comunidades vizinhas e o clima global. Do lado brasileiro, revela a primeira grande contradição do novo governo na área da transição energética, em um momento em que Lula e sua equipe precisam mostrar compromisso com a causa climática para construir credibilidade internacional”, analisa o diretor da 350.org.
Impacto de Vaca Muerta nas comunidades
O dano climático da extração de petróleo e gás na reserva de Vaca Muerta é gigantesco, como apontou um estudo divulgado em outubro de 2022 pela 350.org e pela consultoria Profundo. O levantamento revelou que, se for queimado todo o petróleo e gás contido na Bacia de Neuquén, que tem em Vaca Muerta uma de suas principais jazidas, o volume de CO₂ lançado na atmosfera será equivalente a 11,4% do “orçamento global” até 2050, ou seja, de todo o CO₂ que pode ser emitido, se a humanidade quiser limitar o aquecimento global a 1,5 °C e, assim, evitar os piores cenários da crise climática.
Diz a 350.org que os danos ambientais de Vaca Muerta também incluem vazamentos frequentes de petróleo e gás em áreas de extração, com risco permanente de contaminação de água e solo, além da ampliação da frequência de terremotos em regiões onde vivem milhares de famílias.
“Comunidades do povo indígena Mapuche e pequenos agricultores estão entre as populações mais afetadas e que se opõem mais fortemente a Vaca Muerta. O apoio do Brasil ao setor fóssil na Argentina mostra-se, portanto, contraditório em relação ao compromisso do governo brasileiro e do próprio presidente Lula com o respeito aos direitos desses grupos”, alega a ONG.
A 350.org explicou que “o uso do fracking tem sido desastroso também do ponto de vista econômico. A província de Neuquén, centro da exploração de petróleo e gás na Argentina, continua a ser uma das mais pobres e endividadas do país. Nos municípios onde o fracking é extraído, há milhares de famílias sem acesso, inclusive, ao próprio gás obtido na região, que dependem de lenha para aquecer suas casas. Além disso, as operações das empresas em Vaca Muerta dependem, há anos, de um substancial apoio do governo federal”.
“Ao anunciar os supostos benefícios econômicos desta decisão, o governo argentino esquece, convenientemente, de mencionar os custos ocultos multibilionários de Vaca Muerta. Só em subsídios às megapetrolíferas foram mais de U$ 1,6 bilhão nos últimos anos”, afirma a ativista argentina e coordenadora de campanhas da 350.org, Maria Victoria Emanuelli.
Papel do BNDES
Em relação ao BNDES, o anúncio desta segunda-feira, segundo a 350.org, lança dúvidas sobre a disposição do banco em seguir as melhores práticas ambientais, sociais e de governança, sintetizadas pela sigla ESG. Desde o início do novo governo, executivos do banco têm defendido que a instituição assuma papel de protagonismo no financiamento a projetos de descarbonização da economia, com menções explícitas à transição energética.
“O BNDES está colocando suas digitais em um projeto que é uma bomba climática e que está totalmente desalinhado com seu discurso de sustentabilidade. Seria muito mais inteligente usar os mesmos recursos para propor linhas de financiamento a energias renováveis nos dois países e se tornar líder no engajamento bilateral nesse setor”, afirma Zugman.
O diretor da 350.org lembra também que o BNDES precisa avançar na formalização de compromissos de desinvestimento em petróleo e gás, assim como fez com o carvão, para bloquear decisões como a de expandir o gasoduto na Argentina. Em 2021, a instituição mostrou que medidas como essa são viáveis, ao anunciar, sob pressão da sociedade civil, que deixaria de financiar térmicas a carvão.