Aneel: hora de rediscutir UHE com reservatório
Mauricio Corrêa, de Brasília —
Embora a campanha eleitoral sequer tivesse sido citada durante toda uma entrevista coletiva da diretoria da Aneel, realizada na última sexta-feira, 07 de outubro, uma decisão da área ambiental tomada em governos anteriores permeou grande parte da conversa com os jornalistas: a necessidade que o País tem de rediscutir a questão da formação de reservatórios de armazenamento de água em usinas hidrelétricas.
“É um problema que nós temos que resolver”, reconheceu, com franqueza, o diretor Hélvio Neves Guerra. Ele lembrou que a hidrelétrica de Serra da Mesa, construída no rio Tocantins, foi a última a ser construída no Brasil com lago de armazenamento de água.
De fato, Serra da Mesa é emblemática nessa discussão. Situada no Alto Tocantins, em Goiás, começou a ser construída em 1990 e foi inaugurada em 1998. Compreende um lago com área de 1.784 km quadrados e capacidade para guardar 54,4 bilhões de metros cúbicos de água, o que a torna fundamental no atendimento do mercado de energia elétrica do Sistema Interligado.
Possuidora de uma carreira política irretocável e de uma história de vida igualmente admirável, a ex-ministra Marina Silva (recém-eleita para a Câmara dos Deputados, por São Paulo, numa eleição em que ficou no 12º lugar e conquistou a expressiva quantidade de 237 mil votos) está diretamente relacionada com o fim das hidrelétricas com reservatórios. E numa eventual vitória do ex-presidente Lula, Marina Silva poderá ser novamente uma política forte na área de meio-ambiente.
Em 2003, ela assumiu o Ministério do Meio Ambiente, onde ficou até 2008. Na sua gestão, entretanto, foi cristalizada a ideia de que o Brasil, que durante 100 anos construiu hidrelétricas dotadas de reservatórios de armazenamento, não podia mais fazê-lo.
Nessa guerra contra as hidrelétricas, até as minúsculas usinas de pequena porte, as PCH´s, foram alçadas à condição de inimigas das boas práticas de proteção ambiental e praticamente foram criminalizadas.
Depois de reprimidos durante anos em vários estados, só agora os projetos das PCH´s começam a recuperar o antigo prestígio. Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado foi um dos primeiros a reconhecer que as PCH´s são inofensivas ao meio-ambiente.
“Hoje, só 25% das nossas usinas armazenam água”, explicou o diretor Hélvio Guerra, argumentando que o Brasil aprendeu bastante com a construção de hidrelétricas, mas que não consegue aplicar totalmente o que foi aprendido. “Nosso maior aprendizado é que a hidrologia não é determinística e, sim, probabilística”, frisou Guerra.
Por essa razão, para se salvaguardar de eventuais crises de suprimento, em decorrência da falta de energia hídrica, o governo contratou, em outubro do ano passado, 17 usinas térmicas emergenciais, gerando enorme controvérsia, dentro de um programa denominado Procedimento Competitivo Simplificado (PCS). “O preço do PCS foi muito elevado porque estávamos numa situação de emergência”, garantiu Guerra.
No entendimento do diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, toda crise gera ensinamentos. “Temos tido sobressaltos desde 2001”, afirmou. Esse ano se destaca na história do setor elétrico brasileiro, pois foi quando estourou uma enorme crise de abastecimento de energia elétrica, em consequência da falta de água nas usinas. O racionamento de 2001 foi um dos fatores determinantes para a vitória do PT na eleição presidencial realizada no ano seguinte.
Os sobressaltos a que se refere Sandoval Feitosa têm ocorrido com relativa frequência num sistema elétrico que já foi majoritariamente hídrico como o brasileiro, mas que hoje é hidrotérmico, turbinado não apenas por usinas térmicas a gás natural e biomassa, mas também pela energia renovável dos parques eólicos e solares.
O diretor-geral da Aneel lembrou que o Brasil recentemente passou momentos de aflição face a mais terrível seca que atingiu o País em 91 anos. Só não houve um novo racionamento porque o Brasil investiu na construção de térmicas a gás e expandiu bastante as suas redes de transmissão. Por isso, consegue hoje transferir grandes blocos de energia elétrica entre as regiões, aproveitando as vantagens de possuir um sistema interligado altamente operacional em quase todo o território nacional. Se não fosse esse intercâmbio de energia entre as regiões, provavelmente boa parte do País teria ficado sem eletricidade na recente crise hídrica.
“É possível prever uma crise dessa magnitude? Eu não saberia dizer”, salientou Sandoval. Ele acrescentou que a África do Sul está vivendo um período de racionamento e a Europa vive uma crise de oferta em consequência dos problemas gerados pela guerra entre russos e ucranianos.
Essa é uma dinâmica que, na avaliação dos diretores da agência reguladora, ficará cada vez mais diferente e que obriga o Brasil a ser cada vez mais competente na forma de combinar o uso das suas diversas fontes de energia. Não é sem razão que a Operação do setor elétrico é internacionalmente reconhecida como um dos pontos da excelência técnica no país, por sua sofisticação e agilidade.
Nesse contexto, para o também diretor Ricardo Lavorato Tili, o gás natural é uma fonte que se torna cada vez mais importante na geração de energia elétrica no Brasil. “Precisamos ter energia firme para garantir a geração elétrica. Vejo pouco espaço para abrir mão dessa fonte”, afirmou, sem fazer referência a segmentos da sociedade que fazem campanha praticamente diária contra a utilização de gás natural na produção de energia elétrica. É difícil compreender, mas esses segmentos esquecem que foi a energia térmica que não deixou o País às escuras no último período seco.
Hélvio Guerra participa da mesma opinião: “Temos que aproveitar os nossos recursos naturais e utilizar as fontes firmes, como gás natural e biomassa”, disse, enquanto o diretor-geral Sandoval vai na mesma linha, reconhecendo que cada fonte tem uma importância no recorte do tempo. “Já tivemos o tempo do carvão”, lembrou.