Sandoval não quer pressa na expansão do ML
Maurício Corrêa, de Brasília —
Para quem está ansioso e acha que a abertura do mercado livre de energia elétrica, no Brasil, ocorrerá logo após as eleições, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval de Araújo Feitosa Neto, aplicou nesta sexta-feira, 07 de outubro, um choque na questão. Ainda vai demorar um bom tempo até sair do sonho e virar realidade.
Ele não definiu um prazo. Em entrevista coletiva na sede da agência, afirmou que não conheceu previamente o conteúdo da Portaria 50, publicada em 28 de setembro, através da qual o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida ampliou o mercado livre de energia e permitiu aos consumidores de alta tensão comprar energia elétrica de qualquer supridor. Dia depois, o próprio Sachsida abriu uma consulta pública visando à abertura total do mercado entre 2026 e 2028.
“A Aneel não sabia da Portaria do MME”, garantiu, frisando que ela é “um farol, uma sinalização” e enquadra-se na competência legal do MME na condição de Poder Concedente. Mas lembrou que “há necessidade de um framework regulatório”, até porque nem todos os consumidores de energia elétrica hoje ligados no mercado cativo das distribuidoras vão se transferir para o livre.
Feitosa ressaltou que a sua opinião não pode ser vista com um viés pessimista em relação à ampliação do mercado livre. Entretanto, também lembrou que o mercado regulado não pode ficar com o ônus da abertura. Ou seja, o mercado livre não pode ficar com o filé mignon e o cativo com o osso (palavras deste repórter).
Segundo o diretor-geral da Aneel, por enquanto é impossível dar prosseguimento neste assunto, até porque nem existe uma proposta de abertura do ML aprovada pelo Congresso Nacional. Embora com outras palavras, Sandoval Feitosa afirmou que ainda há muito chão pela frente e que não adianta colocar o carro na frente dos bois. “Não há proposição legislativa sobre isso. O regulador não implementa políticas públicas”, disse.
Ele tem razão. É possível que suas palavras sejam uma ducha fria nos entusiastas do crescimento rápido do ML, mas, olhando para a composição do novo Congresso, após a eleição de 02 de outubro passado, o que se vê é que será realmente necessária a recuperação de um longo trabalho de convencimento dos congressistas a respeito das vantagens do ML.
Isto é, se neste final da atual legislatura, no período entre o segundo turno das eleições e o fim do ano legislativo, não se conseguir milagrosamente resolver o que vai acontecer com o PL 414 no âmbito do Congresso Nacional. É difícil, mas como todo mundo está careca de saber, no Legislativo tudo é possível, inclusive aprovar propostas as mais polêmicas possíveis em absoluto toque de caixa.
Em um relatório enviado aos seus associados, nesta sexta-feira, a associação dos comercializadores de energia elétrica, a Abraceel (maior interessada na ampliação do ML) reconheceu que 15 dos 32 membros atuais da Comissão Especial do PL 414 não voltarão para a Câmara em 2023. Isso é uma pancada, pois é todo um trabalho que foi para o ralo.
Entre os congressistas nos quais ela depositou muitas esperanças de apoio na aprovação da matéria e que não terão o mandato renovado, a associação citou os nomes de Cacá Leão, Paulo Ganime, Édio Lopes (PL-RR) e Elias Vaz. Portanto, do lado empresarial há todo um trabalho a ser feito com os novos congressistas, para que eles também se convençam a respeito das vantagens do ML para os consumidores, que também são eleitores.
Recém-chegado de uma viagem à Europa, o diretor-geral da Aneel está atento aos impactos que atingem os países da União Européia, na área de energia, em consequência da guerra na Ucrânia. Há todo um quadro macroeconômico que, na sua visão, tem a ver com os preços astronômicos que a energia elétrica, o gás natural e os combustíveis assumiram nos últimos tempos, impactando severamente os bolsos dos consumidores europeus.
Como lembrou, não é uma situação fácil: inflação de mais de 10% na Alemanha, onde a energia elétrica subiu 44%. Ainda na Alemanha, o governo reativou um fundo de 200 bilhões de euros para mitigar os preços da energia. Ele citou uma profunda e aparentemente inevitável recessão na zona do euro, da ordem de 3%.
Na França, a inflação é de 6% e o governo distribuiu um cheque de 100 euros para os mais pobres para que possam pagar as despesas de gás e luz. Nesse contexto, a França ainda está adotando um mecanismo do tipo das bandeiras tarifárias, que o Brasil já utiliza há bastante tempo, para que os consumidores se conscientizem a respeito da evolução dos custos com gás e energia elétrica e, sobretudo, economizem.
Para o diretor-geral da Aneel, nesse contexto adverso, no qual a própria Inglaterra — onde nasceu o liberalismo que impulsionou os mercados mundiais de energia elétrica, inclusive o Brasil, nos anos 90 — inclusive tabelou o preço de energia elétrica e praticamente sepultou o mercado livre. Qual o impacto disso no Brasil, que está na antevéspera de uma ampliação do ML? Ninguém sabe dizer.
Sandoval Feitosa se declara inteiramente aberto a todas as inovações possíveis e reconhece que o ML é um caminho sem volta no Brasil. Mas, mal comparando, ele lembrou que a Espanha cabe na Bahia e que Portugal é menor do que o Ceará. O mercado livre, portanto, vai à frente, no Brasil, mas no ritmo ditado pela prudência e não pela pressa.
Com a guerra da Ucrânia, como frisou, o governo da Inglaterra teve que intervir, para que os consumidores não ficassem expostos. Da mesma forma, na França, foi necessária a intervenção forte do Estado. O ML, disse, é uma realidade mundial, mas “a prudência é necessária no momento do estresse”.