Navios-usina devem gerar energia em agosto
A contratação de quatro navios-usina pelo governo federal, como medida emergencial tomada no fim do ano passado para garantir o abastecimento de energia no País, transformou-se na mais nova bomba financeira do setor elétrico. Atrasada, ainda não acendeu uma única lâmpada no País, embora tenha impacto bilionário previsto para a conta de luz.
Por contrato, esses navios-usina tinham de ter começado a entregar energia no dia 1.º de maio. O prazo era uma condição essencial para justificar um acordo fechado em outubro, quando o País estava com a maior parte dos reservatórios das hidrelétricas esvaziada e convivia sob a ameaça de um desabastecimento elétrico neste ano.
O governo fez a contratação via “procedimento competitivo simplificado” ao custo de R$ 3 bilhões por ano.
Foi publicado edital emergencial, sem exigência de estudos técnicos aprofundados e que dispensava processos básicos de licenciamento ambiental. Tudo atrasou. Nenhum navio-usina foi ligado, e nem sequer toda a estrutura contratada está ancorada na região escolhida.
Os quatro navios turcos da empresa Karpowership funcionam como grandes usinas a gás. Ancorados na Baía de Sepetiba, a 3 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, eles devem ser ligados a uma linha de transmissão de 15 quilômetros, que sairia do mar e chegaria a uma subestação. A partir dali, a energia seria enviada para qualquer região do País, por meio do sistema interligado de transmissão.
O prazo atual mais otimista prevê o início das operações em 1.º de agosto, ou seja, três meses depois do prazo originalmente exigido e que justificava a geração das térmicas durante o chamado “período seco”, que vai de abril a novembro. Na prática, cerca de metade desse período já terá passado.
Soma-se a isso o fato que choveu bastante neste ano, na maior parte do País, o que já levou o setor elétrico a desligar as usinas térmicas mais caras e, inclusive, encerrar a cobrança extra das tarifas incluídas na conta de luz do consumidor.
As quatro embarcações, que operam em outros países, são preparadas para gerar 560 megawatts de potência, energia suficiente para abastecer cerca de 2 milhões de pessoas.
De todo o pacote emergencial (incluindo outros contratos), restará para o consumidor um custo exponencial, estimado em mais de sete vezes o valor médio já contratado em outros leilões. Para bancar toda a energia contratada no leilão emergencial do ano passado (778 megawatts médios), está previsto o pagamento de R$ 11,7 bilhões por ano. Do valor, R$ 9 bilhões serão repassados anualmente às contas de luz.
A Karpowership deve receber até R$ 635 por megawatt-hora (mais de R$ 3 bilhões por ano).
“Fica evidente que aquela decisão tomada no ano passado pelo governo foi equivocada”, diz o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel/UFRJ), Nivalde Castro. “Dado o custo elevado, além do fato que o contrato nem sequer foi cumprido, isso deve ser cassado imediatamente. Foi um erro cometido por causa do açodamento e que deve ser cancelado.”
Por meio de nota, a empresa declarou que “tem realizado todos os esforços para que o projeto de geração de energia por embarcações na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, possa iniciar sua operação em breve”.
Aneel diz que fiscaliza
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pode multar e, no limite, até cassar, de forma unilateral, os contratos emergenciais fechados em outubro passado, incluindo o negócio firmado com os navios-usina da Karpowership. O rompimento do acordo está expresso no edital, ao deixar claro que, na implantação do empreendimento, está prevista, além de multas, a “rescisão unilateral da autorização, por inexecução total ou parcial do objeto da outorga”, ou seja, o cancelamento do contrato.
A rescisão unilateral pode ocorrer caso o atraso na entrada em operação seja superior a 90 dias. Essa tolerância, portanto, acaba em 1.º de agosto. Isso não isenta a companhia de responsabilidades pelo atraso já consumado, o que deve levar a multas.
Questionada pela reportagem, a Aneel declarou que as embarcações “serão objetos de fiscalização específica para avaliação dos motivos que levaram as usinas ao atraso nos cronogramas de implantação” e que, “a depender do resultado do processo de fiscalização, as usinas podem ser punidas de acordo com as penas previstas no edital”.