Governo quer R$ 20 bi para energia a carvão
O plano do governo Bolsonaro de renovar o parque de usinas térmicas a carvão mineral, uma das fontes mais poluentes da matriz energética, prevê a injeção de R$ 20 bilhões nessas operações nos próximos 10 anos. A questão é saber de onde sairá o dinheiro para financiar um negócio que encolhe em todo o mundo devido à urgência na redução de emissões de gases de efeito estufa. O BNDES, principal banco estatal de financiamento do setor, está fora dessa aposta, diz que só apoia energia limpa e que, até segunda ordem, não pretende colocar nenhum centavo naquele que é um dos principais programas energéticos do governo federal.
O Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que a decisão do banco a respeito dos planos de renovação do parque de usinas térmicas a carvão, que anunciou em agosto, teria relação com a definição de “prioridades” de investimento, devido à “restrição de recursos” financeiros do banco. O Estadão questionou o banco sobre os planos do MME. O BNDES deixa claro que não se trata de falta de recursos, e sim da forma como encara o assunto.
O BNDES rechaçou qualquer possibilidade de financiar as operações, sob o argumento de que “tem uma visão estratégica que leva em consideração o desenvolvimento sustentável e de longo prazo do País e do mundo”. No setor de energia, disse o banco, “tal visão está necessariamente alinhada com os esforços para construir uma matriz energética diversificada e limpa”.
A última usina a carvão mineral financiada pelo BNDES recebeu recursos em 2015. No ano seguinte, o banco resolveu vetar repasses para esse tipo de projeto. Neste ano, o posicionamento foi formalmente definido pela diretoria do banco, para apostar em projetos menos poluentes. Nos últimos cinco anos, o BNDES firmou contratos de R$ 27 bilhões em financiamentos a projetos com fontes hídricas, solares, eólicas e de biomassa. Outros 12 projetos de térmicas a gás receberam R$ 7,7 bilhões no período.
Sem o repasse do BNDES, a renovação ou a ampliação do parque de usinas a carvão ficará mais difícil. Hoje, 100% dessa estrutura está limitada a sete usinas (uma no Paraná, duas no Rio Grande do Sul e quatro em Santa Catarina). Juntas, somam uma capacidade instalada de 1.572 megawatts médios, energia que abastece boa parte do consumo da região Sudeste.
A concentração dos projetos na região não é casual: 99,97% do carvão mineral do Brasil está no Sul, sendo 89,27% no Rio Grande do Sul, 10,38% em Santa Catarina e 0,32% no Paraná. O desafio é saber como o Brasil cumprirá suas metas de redução do aquecimento global – causado pelas emissões de gases de efeito estufa – se pretende renovar e investir no parque atual. Por outro lado, impõem-se medidas sociais e econômicas para amparar milhares de famílias que vivem da cadeia do carvão mineral, que movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano.
“O que deve ser feito, no caso dos trabalhadores do Sul, é uma transição justa, atendendo à demanda de energia e substituindo os empregos perdidos”, diz Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “Um exemplo de fonte capaz de apoiar o desenvolvimento econômico e social é a energia solar. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina são, respectivamente, o terceiro, o quinto e o nono no ranking de geração distribuída no Brasil, e essa atividade pode ser amplificada com políticas públicas e linhas de financiamento ”
Poluição em dobro
O setor mineral e as usinas térmicas sustentam a tese de que têm investido em novas tecnologias nos últimos anos, o que ajudou a reduzir o impacto ambiental desses projetos. Os dados, porém, quando comparados aos de demais fontes, dão uma ideia mais clara do que está em jogo.
Considere-se um volume de energia necessário para abastecer uma cidade do Sudeste com 1 milhão de habitantes. Se toda essa energia fosse gerada por uma usina a gás natural, seriam lançados no ar 1,3 milhão de toneladas de CO2 por ano. Se essa mesma energia saísse de uma térmica a carvão, seria o dobro.
Uma das maiores minas de exploração de carvão mineral do País teve a sua licença de operação suspensa, devido ao desrespeito a exigências ambientais, como a exploração de áreas de preservação permanente. No mês passado, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), órgão da Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, travou a renovação da licença de operação da mina de Candiota, que abastece a usina de mesmo nome.
A estatal gaúcha Companhia Riograndense de Mineração (CRM), que explora a mina, havia solicitado a renovação da licença que permite a continuidade da lavra mineral, mas a Fepam rejeitou o pedido. “Observamos algumas irregularidades ambientais. Havia avanços em áreas fora do polígono autorizado”, disse Marjorie Kauffmann, diretora-presidente da Fepam.
Como a CRM recorreu da decisão, pode seguir com a exploração, mas terá de firmar novos compromissos e corrigir problemas para obter o licenciamento. A previsão é de que a situação se resolva ainda este mês.
A mina de Candiota é a maior cava a céu aberto em exploração de carvão no País. São 3,5 mil hectares da área requerida para exploração. A produção, segundo a Fepam, chega a 160 mil toneladas de carvão por mês.
“Sabemos que essa é uma fonte energética importante para o Estado e que movimenta a economia local. São 5 mil empregos diretos e indiretos que dependem dessa operação. A nossa intenção na área ambiental é adequar isso, porque a mineração de carvão não é simplesmente abandonar e está tudo resolvido”, diz Marjorie Kauffmann. “Se fizermos o bom uso, não há grandes óbices. No longo prazo, devemos buscar outras fontes complementares, solar e eólica, para que a geração seja a mais diversa possível.”
Os apontamentos da área ambiental não têm a concordância da estatal. “O corpo técnico da CRM discorda das conclusões da Fepam e já realizou as devidas contestações no processo em andamento, que trata da Licença de Operação”, declarou à reportagem.