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“Memória da Eletricidade” conta a história da 1ª usina flutuante do Brasil, a Poraquê

Durante a Segunda Guerra Mundial, em plena década de 1940, o mundo vivia o auge da corrida tecnológica. Nos Estados Unidos, o engenheiro Walker Cisler foi convocado para liderar um projeto inédito: criar usinas elétricas flutuantes capazes de cruzar os oceanos e fornecer energia em zonas de guerra. Assim nasceram quatro navios movidos a vapor — ImpedanceInductanceResistance e Seapower –, este último destinado a se tornar a lendária Poraquê, a primeira usina flutuante do Brasil.

As embarcações foram construídas pela Bethlehem Steel Company, na Pensilvânia, e projetadas para resistir às intempéries do mar e da guerra.A Seapower foi lançada ao mar em 1943 no porto de Charleston, equipada com caldeiras a óleo e turbinas a vapor capazes de gerar energia suficiente para abastecer uma cidade de médio porte. Após atravessar o Atlântico em meio aos ataques de submarinos alemães, o navio ancorou no rio Tâmisa, em Londres, onde testemunhou o desfecho da guerra.

Com o fim do conflito, a embarcação retornou aos Estados Unidos e, mais tarde, a Brazilian Hydroelectric Company, do grupo Light, adquiriu o navio e o trouxe para o Rio de Janeiro em 1950 Rebatizada como Piraquê e operada pela Marinha do Brasil, sob supervisão do almirante Miguel Magaldi, teve a missão de enfrentar a grave crise energética que atingia a então capital federal. Operando no sistema da Companhia Carris Luz e Força, a Piraquê foi alvo de críticas. Não por seu funcionamento, mas por priorizarem os bairros turísticos, como Copacabana e o Jóquei Club, na Gávea, enquanto grande parte da cidade permanecia às escuras.

Em 1954, foi deslocada para Niterói, ajudando a amenizar o problema de energia do outro lado da baía. Até ser vendida anos depois, em 1968, para a Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE) e rebocada até Porto Alegre. O estado vivia uma estiagem severa e os reservatórios viviam secos A usina flutuante, ancorada no Guaíba, foi responsável por fornecer parte da eletricidade à região metropolitana até 1975.

A embarcação foi vendida em seguida à Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM). Lá, a usina-navio foi rebatizada de Poraquê, em homenagem ao peixe-elétrico amazônico capaz de soltar descargas de até 600 volts. A simbologia não poderia ser mais apropriada. A cidade crescia rapidamente com a criação da Zona Franca e a velha usina flutuante, mesmo cansada, ajudou a evitar apagões e iluminou o novo polo industrial, operando ao lado da Usina de Mauá e de outras térmicas locais.

Em 1978, a Poraquê foi transferida para a recém-criada Eletronorte e rebocada até Belém, onde seria usada para reforçar o sistema elétrico da capital paraense. Sua chegada tomou as manchetes dos jornais e recebeu o apelido de “Princesinha do Guajará”, noticiada como a “máquina da Segunda Guerra”. A empolgação, porém, logo deu lugar à frustração: faltavam peças e cabos que já não existiam no mercado. Técnicos tiveram de improvisar, buscando sobras de guerra e equipamentos antigos em São Paulo e Mato Grosso do Sul.

O calor e a umidade da região castigavam a embarcação e sua tripulação. As caldeiras começaram a dar problemas e o custo de operação subia sem parar. Foi então que, nos anos 1980, com a construção das grandes hidrelétricas na região, como Tucuruí, a Poraquê perdeu espaço e ficou desativada, esquecida no porto de Belém.

Seu fim veio em 1991. Por determinação do Governo Federal, o navio foi doado à cidade de Cametá, no Pará. Lá, foi naufragado para servir como barreira contra a erosão do rio Tocantins, protegendo a orla e as antigas igrejas da cidade. Fragmentos de sua história, como imagens, vídeos e os diários de bordo, permanecem preservados pela Memória da Eletricidade.

Hoje, quem passa por Cametá talvez nem imagine que, sob as águas que circundam a cidade, repousa um pedaço da história elétrica do século XX. A Poraquê, que nasceu da urgência da guerra e atravessou meio mundo levando luz a cidades inteiras, descansa no fundo do rio Tocantins como um monumento submerso. Entre o ferro e o lodo, dorme a memória de um tempo em que o Brasil tentava iluminar o próprio futuro e, por um breve momento, conseguiu fazer a energia navegar.

Sobre a Memória da Eletricidade

A Memória da Eletricidade é uma instituição sem fins lucrativos dedicada à preservação e difusão da história do setor elétrico brasileiro. Desde 1986, realiza projetos de pesquisa histórica, conservação de acervos, produção de publicações e coleta de relatos de história oral, promovendo o conhecimento sobre a trajetória e os desafios da energia no Brasil. Seu acervo reúne milhares de documentos, fotografias, vídeos e registros sonoros que contam a evolução do setor elétrico e podem ser acessados gratuitamente pelo site.

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