Maurício Corrêa, de Brasília —
O Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que há anos têm discretamente demonstrado um certo encantamento pelo concessionária de energia elétrica Enel, de São Paulo, agora encontraram um paredão pela frente, praticamente impossível de escalar.
Será difícil contornar a nota técnica emitida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), datada de 1º de dezembro de 2025, que recomenda à agência reguladora “que avalie a possibilidade de aplicação da decretação de intervenção na concessão da Enel-SP, com estudos, documentos e fundamentação técnica, apontando possíveis riscos, impactos e consequências práticas da referida medida”.
A NT do TCU é uma pancada no lombo de todos aqueles, no Governo ou na Aneel, que sistematicamente tem feito corpo mole diante das práticas adotadas pela concessionária Enel. O documento — divulgado em primeira mão pela Agência Infra — esclarece que a intervenção, se adotada pela Aneel, deve levar em consideração que os riscos para os consumidores não devem ser mais dispendiosos do que os problemas criados pela concessionária italiana.
A nota técnica tem 11 páginas e nela os técnicos do TCU detalham as circunstâncias que levaram a Corte a estudar a situação da distribuição de energia elétrica na região metropolitana de São Paulo e, agora, recomendar a intervenção.
Segundo o TCU, medidas punitivas e corretivas menos gravosas falharam em garantir o serviço adequado, tornando necessária a análise da medida mais extrema na pirâmide de conformidade regulatória.
“O TCU visa garantir que a decisão final a respeito da intervenção será fundamentada tecnicamente e alinhada aos preceitos da regulação consequencialista, servindo como um controle de segunda ordem para subsidiar o Poder Concedente na escolha da melhor alternativa para a continuidade do serviço público, levando em consideração os riscos decorrentes do período úmido que se aproxima, ocasião em que a concessionária poderá ser submetida a novos testes de estresse em relação às melhorias apresentadas no Plano de Recuperação”, diz a NT.
Segundo a Corte de Contas, a Enel-SP não conseguiu alcançar os resultados esperados em sete dos 11 Planos de Resultados firmados, o que gerou a necessidade de a Aneel avançar na imposição de penalidades de natureza pecuniária à distribuidora em valores crescentes, dos quais mais de R$ 260 milhões permanecem pendentes de pagamento, em função de decisões judiciais.
“Esse histórico reflete quase uma ausência de resposta ao instrumento do Plano de Resultados, enquanto a utilização das multas como instrumento indutor de melhoria do serviço prestado aos consumidores tem se mostrado ineficaz, já que a discussão a respeito do recolhimento desses valores se estende em processos judiciais”, assinala a nota técnica do TCU.
De acordo com o documento elaborado pela área técnica do TCU, “ao ser indagada quanto às razões pelas quais não foram propostas outras penalidades menos gravosas pelos fatos relatados no RFT, a área técnica da Aneel esclareceu que a conduta reiterada da Enel-SP quanto à prestação insatisfatória do serviço associado à qualidade do fornecimento de energia elétrica e à não melhoria da prestação do serviço frente aos eventos climáticos severos, bem como no tocante aos tempos de atendimento a ocorrências emergenciais, permanecendo acima de 12 horas desde o evento de novembro de 2023 até o evento de outubro de 2024, demonstraram que a distribuidora não vinha respondendo aos instrumentos de Planos de Resultados nem aos processos punitivos”.
O TCU revela que o instrumento da intervenção chegou a ser discutido com a fiscalização da Aneel e que a agência reguladora descartou a decisão extrema de intervir numa concessionária que simplesmente não estava funcionando.
A fiscalização da Aneel, segundo o TCU, “asseverou que, embora a legislação preveja a intervenção para garantir aprestação adequada do serviço, essa medida se mostrava precipitada no caso concreto, pois a fiscalização concentrou-se apenas na ineficácia da distribuidora em restabelecer rapidamente a energia após eventos climáticos severos, sem analisar outros aspectos do serviço. Acrescentou que a intervenção não é penalidade, mas medida excepcional e extrema, que substitui a concessionária na prestação do serviço e pode implicar mudanças significativas na gestão, devendo ser aplicada apenas quando necessária e útil à recuperação da concessionária. Diante disso, concluiu que a intervenção não era adequada naquele momento processual”.
Para o TCU, a intervenção se constitui em uma medida excepcional com o objetivo específico de assegurar a adequação na prestação do serviço e coagir a concessionária a cumprir normas regulamentares, contratuais e legais pertinentes que estariam sendo reiteradamente descumpridas.
“Nesse sentido, é essencial que a avaliação da Aneel sobre a decretação da intervenção considere os riscos associados à medida para evitar que a solução se torne mais dispendiosa para o serviço, por se tratar de um instrumento forte e bastante delicado, não sendo razoável pressupor que, necessariamente, essa possível gestão temporária será melhor do que a dos atuais detentores do contrato de concessão”, reconhece o tribunal.