Abradee torce por menos subsídios no SEB
Maurício Corrêa, de Brasília —
A rede de distribuição de energia elétrica, no Brasil, conta com quase 4 milhões de kilômetros de fios de alta, média e baixa tensão espalhados por todo o País. A distribuição também é o serviço público mais próximo da população, com quase 100% de universalização.
Apesar de todo este poder, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, está preocupado. Com o furto de energia e de cabos, com a inadimplência dos consumidores, com o excesso de subsídios no setor elétrico brasileiro, com as questões climáticas e, logicamente, com a reforma que se aproxima do SEB.
Quem conhece Madureira, sabe que ele é politicamente habilidoso e não dá murros em ponta de faca. Presidente executivo de uma associação empresarial que está completando 50 anos em 2025, ele tem consciência que precisa se equilibrar no mundo cheio de armadilhas de Brasília.
Além de representar empresas que estão na linha de frente do SEB, na relação com os consumidores (o contato dos consumidores é com a distribuidora, que distribui as contas de luz), seu contracheque também o obriga a estar sempre de bem com o governo, principalmente num momento em que se começa a falar com mais ênfase sobre a renovação das concessões dos agentes de distribuição.
Num workshop para jornalistas, nesta sexta-feira, 09 de maio, em Brasília, ele esclareceu alguns detalhes do contexto nem sempre muito claro em que operam os distribuidores. O peso dos gatos (furto de energia) nas contas de luz é um deles. O prejuízo das distribuidoras é pesado por causa do furto de energia elétrica, comandado principalmente por traficantes ou milicianos, mas também utilizado em boa parte por consumidores tementes a Deus, que vão todos os domingos às missas ou cultos. E nas horas vagas, sem qualquer complexo de culpa, furtam energia.
Quem está familiarizado com o Brasil sabe que, aqui, os ladrões agem com muita liberdade e que aqui se rouba de tudo. Agora, por exemplo, estourou um escândalo de desvio de dinheiro no INSS. No setor elétrico não poderia ser diferente e esse pedaço da infraestrutura sofre (e muito) a ação dos amigos do alheio.
Nos últimos 15 anos, entre 2008 e 2023, as perdas não técnicas (apelido dado pela burocracia para tentar suavizar a expressão furto de energia) somaram 500 milhões de MWh, segundo Madureira. Se fosse uma energia gerada por uma hidrelétrica, esse montante seria da terceira maior usina brasileira. Suas preocupações não se limitam apenas ao furto da energia, mas, também, ao furto de cabos, uma prática que aumentou enormemente nos últimos anos.
Entre 2022 e 2023, essas perdas verificaram sua maior elevação, saltando 20%, de 34,15 TWh para 40,78 TWh. “A região Norte do Brasil é a mais atingida pelos furtos, com 46.2% da energia fornecida para baixa tensão furtada em 2023”, mencionou, salientando que o Amazonas é o estado com maiores perdas: o furto de energia para baixa tensão supera a energia faturada pela distribuidora – 117.8% da energia fornecida para baixa tensão foram furtados em 2023.
“Mas é o furto de energia no Sudeste que mais pesa sobre o sistema elétrico. Em 2023, as perdas no Sudeste somaram 20 milhões de MWh. As perdas na região somam 46,04% do total de perdas do país nos 10 anos de 2012 a 2022. O Rio de Janeiro é o estado que soma o maior volume de energia furtada. Em 2023 o estado perdeu 11,27 milhões de MWh. O segundo estado com maior volume de energia furtada foi São Paulo, com 6,98 milhões de MWh”, assinalou o presidente executivo da Abradee.
A reforma do modelo do SEB proposta pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é vista com cautela por Marcos Madureira, sob a alegação que jura só conhecer uma versão “vazada”. Mas, na sua visão, pelo que foi possível observar até agora, o novo modelo elimina o impacto inflacionário que pode acontecer em cascata, considerando a cadeia de consumo de energia, em especial no setor de alimentos.
“A minuta divulgada traz medidas importantes que equilibram o setor, reduzem distorções e eliminam subsídios que impactam a tarifa. A proposta de abertura de mercado atende as preocupações levantadas pelo segmento de distribuição nos últimos anos. Qualquer reforma deve defender justiça tarifária e equilíbrio para o setor”, limitou-se a comentar, frisando que a vê de forma positiva. “Serão resolvidos alguns dos gargalos, mas não vai resolver 100% (dos problemas)”, disse.
Ele não quis avaliar se na visão da Abradee é melhor a reforma ser oficializada por medida provisória, como quer o governo, ou por projeto de lei, como preferem os agentes do setor elétrico. “Não vou entrar no mecanismo. O que está posto é positivo”, frisou, lembrando que a proposta do ministro Silveira contém muita coisa que não é novidade e que já existia em outros projetos que passaram pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal.
No workshop, tanto Madureira, quanto o diretor de Regulação da Abradee, Ricardo Brandão, evitaram detalhar algumas questões polêmicas, mas falaram bastante sobre os impactos das questões climáticas sobre o setor elétrico em geral e o segmento da distribuição em particular.
Segundo Brandão, são três questões básicas: a seca, que afeta a geração hidrelétrica, leva ao acionamento de térmicas e aumenta as contas de luz através do uso das bandeiras tarifárias vermelhas; as queimadas no campo, que provocaram 18 mil interrupções só no primeiro quadrimestre de 2024, derrubando linhas de transmissão e impactando mais de 21 milhões de consumidores; e finalmente as enchentes e tempestades, resultando em chuvas de proporções inéditas, nunca vistas no Brasil.
Nesse contexto, ele entende que as cidades não estão preparadas para enfrentar os fenômenos climáticos, afetando as redes de distribuição. “As redes de distribuição foram construídas para resistir até ventos de 70 km/hora, mas tivemos ventos muito mais fortes”, disse Brandão. A derrubada de árvores, na sua visão, é um problema para a distribuição, pois árvores de várias toneladas são arrancadas do chão com raiz e tudo e arrastam a rede elétrica, desconectando os consumidores.
As redes subterrâneas seriam uma solução? Ele acredita que não, lembrando que nas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, a rede subterrânea foi extremamente afetada. Além disso, uma rede subterrânea de distribuição custa de oito a 10 vezes mais que a rede aérea.
“É preciso conciliar com o desenvolvimento urbano”, comentou Brandão. “E é preciso fazer uma avaliação de custo-benefício em cada região. Precisamos ter um planejamento urbano adequado – que preveja manejo arbóreo e, eventualmente, o plantio de espécies de menor porte, principalmente em grandes centros urbanos, onde não há espaço adequado para as raízes de grandes árvores se desenvolverem”.
Para Ricardo Brandão, é inevitável que sejam discutidas outras questões. Por exemplo: redes mais resilientes, capazes de suportar o contato físico com corpos estranhos. Isto envolve a discussão de um novo padrão de construção de redes, com capacidade de resistir a ventos mais fortes.
Segundo a Abradee, as empresas associadas estão fazendo a sua parte no sentido de melhorar o atendimento aos consumidores. R$ 145 bilhões é o investimento que as distribuidoras de energia elétrica realizarão em expansão, renovação e melhoria de redes elétricas entre 2025 e 2028.
Quarenta por cento desses recursos serão destinados a aumentar a resistência da rede e reduzir as interrupções de energia.
A associação também informou que R$ 31 bilhões foram investidos pelas concessionárias, por ano, nos últimos dois anos, desde 2022, para tornar suas redes mais resilientes. O valor representa o dobro do investido nos anos anteriores.
O Brasil tem uma população aproximada de 213 milhões de habitantes. Na reforma do setor elétrico que se avizinha, o ministro de Minas e Energia alega que 60 milhões de consumidores deixarão de pagar contas de luz em todo o País e serão beneficiados por uma tarifa social. Muita gente vê nisso uma jogada com interesses eleitoreiros, visando à campanha de 2026. O fato, porém, é que já existe hoje um montante quase próximo desses 60 milhões de consumidores de baixa renda que utillizam a tarifa social.
Enfim, o subsídio é uma das questões que tiram o sono do presidente da Abradee. Só no ano passado, por exemplo, os subsídios do setor elétrico somaram o valor astronômico de R$ 45.146.902.290,73.
Parece brincadeira, mas é isso mesmo. R$ 45 bilhões e uns quebrados. As chamadas fontes incentivadas levaram R$ 11,594 bilhões. O segundo maior subsídio é a chamada geração distribuída, com R$ 10,511bi.
O terceiro é a Conta de Consumo de Combustíveis, para equilibrar os custos da energia elétrica consumida em áreas isoladas da Amazônia, que atingiu R$ 10,287 bilhões. E por aí, vai.
É um festival de subsídio, uma espécie de saco sem fundo, uma conta que nunca para de crescer, principalmente com a ajuda do Congresso Nacional, graças a generosidade sem fim dos congressistas, pois o dinheiro não é deles.