Aneel atropela Enel-SP e confirma multa
Maurício Corrêa, de Brasília —
Em uma reunião que durou menos tempo do que se esperava, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) confirmou a multa de R$ 165,8 milhões aplicada pela fiscalização à concessionária Enel, de São Paulo, em consequência do péssimo atendimento aos consumidores, após os eventos climáticos de 03 de novembro passado.
Foi tudo muito rápido. Um advogado contratado defendeu os argumentos da Enel e pediu a nulidade do processo. Um representante da área técnica da agência sintetizou as razões que levaram à aplicação da multa (a maior da história da Aneel). O diretor-relator Ricardo Tili sintetizou o seu voto e, pela unanimidade de três votos a zero (dois diretores estavam ausentes devido a outros compromissos), a Aneel sapecou a penalidade na concessionária de São Paulo, sem choro e nem vela.
O diretor Hélvio Guerra, que presidiu a sessão, lembrou que a concessionária paulistana foi comprada pela italiana Enel à AES em 2018. Segundo Hélvio, quem compra uma concessão, qualquer que seja ela, avalia o que vai comprar, examina não apenas os livros contábeis, mas, também, a qualidade dos ativos operacionais.
“Na penalidade da Aneel à Enel, não está em discussão a intensidade dos ventos ocorridos em São Paulo em novembro de 2023, mas o trabalho de atendimento aos consumidores depois do evento climático. Ou seja, a capacidade da concessionária de recuperar o fornecimento de energia elétrica. Não me interessa saber se houve queda de árvores”, argumentou o diretor Hélvio Guerra, fulminando a argumentação principal do advogado Fabiano Ricardo de Brito, do Escritório Mattos Filho, que apareceu na reunião para fazer a quase impossível defesa da concessionária. Foi uma defesa correta à luz do Direito, mas meramente burocrática, com chance praticamente zero de resultado positivo.
O fato gerador da multa foi uma chuva forte acompanhada de ventos intensos, na área metropolitana de São Paulo, no dia 03 de novembro passado. No dia 22 de dezembro, a Enel foi notificada da pesada multa. Em seguida, a empresa pediu o arquivamento do processo sem pagamento da penalidade de R$ 165,8 milhões ou então a redução do valor da multa. Nesta terça-feira, o advogado pediu novamente o fim do processo contra a Enel.
Entretanto, o pessoal da Aneel não quis muita conversa, até porque no total já foram aplicadas penalidades diversas à Enel de São Paulo, desde 2018, somando cerca de R$ 700 milhões. Outra multa, de R$ 98 milhões, está com a cobrança suspensa porque a concessionária ganhou no tapetão, ou seja, na Justiça, o direito de não pagar.
Além disso, recaiu sobre a Aneel o custo político pela relação com a Enel, considerando que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chamou todos os diretores da agência ao MME e entregou uma carta exigindo a abertura de processo contra a concessionária, que poderá resultar na perda da concessão.
Um representante da área técnica da Aneel, Thompson Sobreira, sintetizou o trabalho da fiscalização em relação aos eventos de 03 de novembro, quando houve uma atuação conjunta da Aneel com a agência reguladora de São Paulo, a Arsesp.
Seus argumentos, nesta terça, atingiram a Enel com a objetividade de um drone russo na guerra da Ucrânia. Houve prestação inadequada do serviço de distribuição referente ao fornecimento de energia elétrica aos consumidores na área de concessão. Esses consumidores foram afetados pelas interrupções, que não foram poucas.
Sobreira mostrou que a Enel se especializou no mal feito. O seu resultado operacional foi pior do que a média das distribuidoras brasileiras, em 2022 e 2023. Em apenas três anos, houve um aumento constante no atendimento de emergência. “Fora do razoável”, explicou o técnico.
O desempenho operacional da Enel, conforme explicou, foi 95% pior do que as demais concessionárias que atendem consumidores de energia elétrica no estado de São Paulo, com enorme demora da empresa para alocar equipes destinadas ao atendimento de emergência.
O técnico da Aneel também disse que, após 03 de novembro, houve casos em São Paulo que os consumidores ficaram até 72 horas sem energia elétrica. E, por incrível que possa parecer, também teve gente que ficou 144 horas no escuro. “O restabelecimento completo da energia elétrica só aconteceu uma semana depois”, esclareceu Sobreira.
Em seguida, ele explicou as razões técnica que levaram à dosimetria da penalidade, ou seja, à multa de R$ 165,8 milhões. Foram considerados, entre outros, os aspectos relacionados com a gravidade da inflação, os danos causados aos usuários e a abrangência do fato.
“Independentemente dos níveis de custos operacionais da Enel São Paulo, as equipes de emergência foram aquém da necessidade”, frisou, lembrando que, por isso, a Enel teve vantagens financeiras em decorrência da sua conduta.
Voltando a palavra ao relator, diretor Ricardo Tili, este negou provimento ao pedido de nulidade do processo interposto pelo advogado da Enel. Indo para a votação, a multa foi aprovada por unanimidade da diretoria colegiada da Aneel. Presente à reunião, o diretor Fernando Mosna também votou contra a Enel.
Viagem à Itália
Por coincidência, durante toda a manhã a agenda do diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, mostrou uma visita à sede da Enel, na Itália, como integrante de um grupo organizado pelo Gesel da UFRJ, no dia 1º de maio.
O editor do “Paranoá Energia” perguntou à assessoria de imprensa da Aneel se a viagem estava confirmada, qual era o objetivo e, no caso positivo, se era um compromisso a convite da Enel, com as despesas pagas pela empresa italiana.
“O convite veio do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel-RJ), Não houve pedido de abertura de processo, portanto não há nenhuma instrução de viagem com esse objeto na agenda do diretor-geral. O convite foi feito com objetivo de discutir como os países da Europa estão enfrentando o cenário das mudanças climáticas, avanços na regulação e resposta aos eventos. Considerando a agenda do diretor-geral e as restrições orçamentárias, a Aneel não irá participar do evento, nesse momento”, informou a assessoria de imprensa em mensagem ao “Paranoá Energia”.
Às 11h54m, o site voltou a manter contato com a assessoria, salientando que a informação continuava disponível na agenda do diretor-geral da Aneel. “Deve ter ocorrido algum problema. Vai ser retirado”, frisou a Aneel. Logo depois, de fato, a informação sumiu da agenda de Sandoval Feitosa.