Deputado da Bahia detona ranking do SEB
Maurício Corrêa, de Brasília —
O setor elétrico organizou um ranking para classificar os congressistas entre os que são mais ou menos amigáveis ao SEB, ou seja, aqueles que aprovam ou não propostas de interesse das empresas e das associações empresariais. O feitiço aparentemente está virando contra o feiticeiro, pois algo que foi feito para emparedar os deputados e senadores está se voltando exatamente contra o SEB.
O deputado João Carlos Bacelar, do PL da Bahia, que, aliás, tem nota positiva no ranking, sintetiza o desagrado e o mal-estar que a iniciativa de várias organizações (Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Abrace, Abividro e Anace) do setor elétrico está causando. O ranking também é assinado por algumas associações de defesa dos consumidores de energia elétrica e entidades de defesa do meio ambiente.
Nesta sexta-feira, ele assinou e distribuiu um texto (“A mão invisível do mercado e o caos”), no qual rechaça vigorosamente a iniciativa do SEB, atribui a Paulo Pedrosa, presidente executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores e de Consumidores Livres (Abrace) e a Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores, a responsabilidade pelo ranking e diz que eles não falam efetivamente na defesa dos consumidores e, sim, defendem apenas interesses setoriais.
Bacelar não é um Zé-ninguém. É um deputado articulado e integra como titular a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Em outras palavras, quem elaborou o ranking comprou uma briga boa, que certamente vai gerar desdobramentos.
“Veja bem: nem estou falando por mim, pois fui considerado amigável pelo tal ranking. Se eu ficasse quieto no meu canto talvez seria mais interessante. Mas, por uma questão de solidariedade aos meus colegas, não posso compactuar com uma iniciativa que, em nome da defesa dos consumidores de energia elétrica, quer apenas cercear o trabalho do Poder Legislativo, impondo uma camisa de força determinada pelo poder econômico dos grandes consumidores industriais defendido por essa turma. Eu e nenhum dos meus colegas parlamentares aceitamos essa patrulha pretendida pelas associações e empresas do setor elétrico”, disse Bacelar ao site “Paranoá Energia”.
Ele explicou que, praticamente todos os dias, todas as semanas, todos os meses, os lobistas do setor elétrico ficam batendo às portas dos gabinetes de deputados federais e senadores, pedindo apoio para projetos, emendas e outros assuntos próprios da atividade parlamentar, que são de interesse desses segmentos.
“Isso é normal. Faz parte do trabalho legislativo, onde existe um mecanismo em que democraticamente os setores da sociedade tentam fazer com que os seus argumentos vençam e sejam incorporados às decisões finais dos deputados e senadores. Isso é uma coisa. Eu recebo todo mundo, sem discriminação. Outra coisa é o tal ranking de atuação elaborado pelo setor elétrico, afirmou Bacelar.
O ranking construído pela Frente Nacional dos Consumidores, com apoio de várias associações, foi divulgado na quinta-feira passada, dia 14 de dezembro, através de uma coletiva virtual. O presidente da Frente, Luiz Eduardo Barata, apresentou a relação de deputados com atuação mais ou menos favorável aos consumidores de energia elétrica.
“O novo instrumento foi desenvolvido para facilitar o acompanhamento da população sobre a forma como os deputados e senadores votam, relatam e apresentam proposições legislativas que impactam o setor de energia e a vida dos cidadãos”, esclarece um convite à imprensa, frisando que “também permite identificar o desempenho dos partidos e a representatividade por unidade federal”.
Para o deputado da Bahia, falar em nome dos consumidores “é apenas uma forma de enganar os bobos. Não tem ninguém defendendo consumidor. Eles estão defendendo os pesados interesses das suas empresas e dos seus segmentos e utilizam esse papo de consumidores como cortina de fumaça”.
O ranking concluiu que apenas 12,8% de todos os deputados receberam uma nota acima de zero. A pontuação média foi de menos 12,82. Em bom português, segundo o setor elétrico, quase toda a Câmara dos Deputados trabalha contra as geradoras, transmissoras, comercializadoras e distribuidoras do setor elétrico brasileiro. Todas as bancadas estaduais na Câmara dos Deputados tiveram nota negativa, segundo o ranking do setor elétrico.
Os deputados considerados mais amigos do SEB, nesta primeira avaliação, foram Kim Kitaguiri, o próprio Bacelar, Sâmia Bomfim, Adriana Ventura e Erundina. Os que receberam as piores notas foram Danilo Fortes, Adolfo Viana, Zé Vitor, Rodrigo de Castro e Elmar Nascimento.
No Senado, a avaliação melhorou um pouco. Entre os senadores, 49% tiveram notas positivas no ranking. A média foi negativa e ficou em menos 0,56. Os senadores melhor avaliados pelo SEB foram Jader Barbalho, Plínio Valério, Luiz Carlos Heinze, Alessandro Vieira e Leila Barros.
Os piores senadores foram Marcos Rogério, Esperidião Amin, Vital do Rego, Carlos Fávaro e Wellington Fagundes. No geral, os partidos mais “inimigos” do SEB foram o Patriota, PSDB, Republicanos, PL e União.
“Em gostaria muito de ver, no próximo ano, se os executivos das associações e das empresas do setor elétrico, depois desse ranking absolutamente idiota, terão a cara de pau de bater novamente nas portas dos gabinetes legislativos, pedindo apoio para as suas teses. Esses executivos precisam saber uma coisa: o Congresso não se pauta por essas futricas. Aqui temos as nossas divergências partidárias e ideológicas, mas isso tudo é normal dentro do contexto democrático. Aqui todo mundo trabalha seriamente e tem direito de expressar as suas opiniões livremente nas comissões ou no plenário. Quem esses senhores executivos do setor elétrico pensam que são para ficar patrulhando deputados e senadores?”.
João Carlos Bacelar diz que, embora não tenha procuração de ninguém, está manifestando um descontentamento dos congressistas em geral. Ele lembrou que, há tempos, o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, sofreu uma espécie de “bullying”, quando alguém do setor elétrico elétrico disse em off a um grande jornal, que ele, Lira, estaria defendendo os interesses de um “Centrãoduto”, como se denominou a expansão da rede de gasodutos no País, que se chamava Brasduto.
“Já estamos no final do período legislativo e talvez não exista mais tempo. Mas vou tentar articular com alguns colegas, para ver se poderemos ter uma conversa com o presidente Arthur Lira, que aparentemente teria sido vítima desse mesmo pessoal. Tem o DNA deles”, disse Bacelar.
Como argumentou, “isso tudo é tão grave que, talvez, nem mesmo o pessoal do setor elétrico tenha consciência a respeito da bobagem que foi feita. Penso que, para zerar o jogo e recomeçar a convivência em termos seguros de confiança, o melhor a se fazer, talvez, seja uma declaração pública dos presidentes dos Conselhos de Administração dessas organizações, lamentando o ocorrido, se desculpando com o Congresso Nacional e esclarecendo que foi tudo feito sem conhecimento deles, sendo da responsabilidade exclusiva dos executivos que tocaram esse projeto mal-assombrado”.