Fase aposta no consumidor e no teto para CDE
Maurício Corrêa, de Brasília —
Aquilo que o atual governo nunca fez (e nem o anterior), o Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) está fazendo. E com uma mudança estratégica profunda, que altera a sua história e impulsiona o Fase na direção dos interesses dos consumidores de energia elétrica.
Este site teve acesso à versão quase final da “Agenda Propositiva para a Modernização do Setor Elétrico Brasileiro”, um calhamaço de 33 páginas, através do qual o Fase passa um pente fino nas questões que envolvem o SEB. E não deixa pergunta sem resposta. É um bom contraponto à gestão do SEB baseada, há anos, na administração de remendos aqui e ali.
Segundo explicou Mário Menel, presidente do Fase, a versão definitiva do documento será entregue ao Governo como uma contribuição no sentido de tentar resolver problemas identificados há muitos anos, mas que por diversos motivos permanecem seguidamente na agenda do SEB. Ele apresentou uma visão sintética do documento durante o evento “Nuclear Legacy”, realizado nesta quarta-feira, em Brasília, no qual foi um dos participantes do workshop. Na sua visão, o setor elétrico brasileiro hoje se caracteriza por uma absoluta insustentabilidade “se nada for feito”. No seu entendimento, a agenda preenche o vácuo com propostas coerentes e consistentes.
O documento ainda está sendo trabalhado por consultores contratados e será submetido ao crivo das associações que integram o Fase. Como em outros documentos do Fórum, é provável que não seja assinado por todas as associações que o integram, pois existem divergências claras entre as organizações que são impossíveis de serem resolvidas.
Embora Menel seja reconhecido como uma espécie de diplomata do setor elétrico brasileiro, devido a sua enorme paciência na tentativa de obter consensos, esse documento dificilmente receberá a aprovação de todas as associações do Fase. Mas, de qualquer modo, representa um enorme esforço de diálogo e avanço na cooperação entre autoridades e agentes econômicos.
De fato, o documento obtido pelo site “Paranoá Energia” mostra que a energia elétrica é um tema crítico na agenda nacional, por várias razões, que vão desde as variações tarifárias, as falhas de suprimentos e as secas severas ou as enchentes.
Tudo o que envolve o SEB sempre alcança destaque na imprensa nacional, “fomentando embates entre agentes públicos e privados. A energia elétrica também é tema crítico na agenda internacional. Neste caso, as pautas são uníssonas e tratam da transição energética e das alterações climáticas”.
A agenda propositiva do Fase tal como está sendo detalhada agora começou a existir no segundo semestre do ano passado, quando o Fórum encaminhou uma proposta aos candidatos à Presidência da República. Agora, percebeu-se que seria oportuno aprofundar mais a proposta original. “Este é o objetivo do documento. Temos ações concretas e detalhadas para o SEB, pois acreditamos que é possível existir um diálogo fértil e saudável entre o Governo Federal e os agentes do Setor Elétrico”, opinou Mário Menel.
A agenda faz uma proposta corajosa quando cotejada com a própria história do Fórum. Ao longo das duas décadas de existência, desde que se começou a desenhar o modelo de representação empresarial do SEB baseado em associações setoriais, o Fase sempre se dedicou à defesa dos interesses corporativos.
Agora, com a agenda, dá um cavalo de pau na sua própria história e o documento reconhece que “o objetivo é garantir que as ações governamentais sejam orientadas a partir de propostas concretas, tecnicamente fundamentadas e testadas previamente a partir de múltiplos pontos de vistas. O ponto de partida para entender o momento atual do Setor Elétrico Brasileiro deve ser a visão dos consumidores de energia elétrica”.
De acordo com esse novo modo de olhar para o setor elétrico, colocando o foco no consumidor, o Fase acredita que “os tecnicismos devem ser colocados de lado, para (se obter) uma visão mais abrangente, baseada em incentivos econômicos consistentes, ganhos de produtividade, atendimento às necessidades, exercício pleno do poder de escolha e justiça social”. Demorou um tempo, mas, enfim, o social entra com força no discurso dos agentes econômicos que atuam no setor elétrico brasileiro.
O documento do Fase (ainda em versão preliminar, vale repetir) frisa que os consumidores cada vez mais têm optado por deixar o ambiente regulado, migrando na direção do mercado livre. Isso acaba causando uma confusão, pois as opções dos consumidores são incentivadas por meio de reduções de custos. Esses custos menores são sustentados por encargos setoriais cobrados de outros consumidores, ou pela isenção de pagamentos, elevando novamente os pagamentos realizados pelos demais consumidores.
Resultado: surge uma distorção que o Fase considera fundamental resolver, que são os valores cada vez mais bilionários da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o principal subsídio do setor elétrico. Hoje, a CDE é calculada em R$ 35 bilhões e mostra que é uma espécie de saco sem fundo. Para o Fase, isso é insustentável.
O Fase admite que as tarifas residenciais tendem a ter crescimento muito acelerado até 2030 e esse aumento decorre principalmente do aumento dos encargos e da redução do consumo. “O ciclo de incentivos atuais é insustentável. Quanto mais as tarifas crescem, mais consumidores são incentivados a contratar energia em ambientes incentivados ou com isenções de pagamentos”, reconhece o Fase.
A proposta já foi analisada por metade das associações que compõem o Fórum. O documento fundamenta-se no objetivo de promover o alinhamento setorial, com metas claras e objetivas; limitar o crescimento dos encargos a partir de um teto, e promover a redução de seus valores por meio de transparência e de mecanismos de mercado; aproveitar as sobras sistêmicas para acelerar a transição energética, fomentando usos renováveis e eficientes da energia existente; trazer o consumidor para o centro das atenções, acelerando- se a abertura do mercado de energia e a criação de novos mercados. Também entende que é necessário atrair investimentos.
Para o Fase, a opinião dos consumidores de energia elétrica é que deve prevalecer, independentemente de serem comerciais, industriais, rurais ou residenciais, ou mesmo de estarem conectados à rede por diferentes níveis de tensão.
A CDE, para o Fase, deve ser um foco total de atuação das autoridades e agentes. A agenda propositiva lembra que o desconto no uso da rede que o consumidor que compra energia incentivada possui, é pago pela CDE; os descontos da Tarifa Social também são pagos pela CDE, e assim essa Conta apresenta valores anuais que superam R$ 35 bilhões, com destaque aos subsídios para a geração termelétrica na Região Amazônica, a chamada Conta de Consumo de Combustíveis – CCC.
O documento do Fase faz uma avaliação sobre as tendências do mercado, concluindo que o chamado mercado cativo tem tendência de redução, o que não é novidade. Também menciona a forte tendência de crescimento da geração distribuída e da autoprodução.
Quanto à redução da CDE, a proposta do Fase (cujos consultores ouviram muita gente do SEB para elaborar a agenda) entende que o subsídio atual poderia ser custeado com recursos diretos do orçamento federal. Além disso, o estado de Roraima poderia ser conectado ao Sistema Interligado até setembro de 2025, enquanto poderia ser acelerada a eliminação do uso de óleo diesel na Amazônia, com instalação de painéis solares associados a sistemas de armazenamento. Na proposta do Fase, seria estabelecido um valor-teto para a CDE.
Uma das partes mais inovadoras da agenda proposta pelo Fase é quando menciona a necessidade de se garantir justiça social no custeio da CDE. “Nosso foco sempre tem que ser o consumidor”, opinou Mário Menel.
“O custeio da CDE deve garantir justiça social e econômica na recuperação dos encargos setoriais, alocando custos de forma semelhante aos consumidores de rendas também semelhantes, independentemente das regiões onde vivem. Assim, a equalização da CDE entre os consumidores das diferentes regiões deve ser preservada”, assinala a proposta do Fase.