Indústria nuclear quer Angra 3 pronta e SMR´s
Maurício Corrêa, de Brasília —-
Emparedado pelos custos gigantescos de usinas nucleares construídas com base em projetos tradicionais, o futuro do programa nuclear brasileiro pode estar em três letras que são vistas como uma espécie de salvação da lavoura que vai garantir a sobrevivência e permitir ter uma visão positiva de futuro: SMR.
Elas significam “Small Modular Reactors”, ou seja, são pequenos reatores modulares, com capacidade de até 300 MW de geração, o que representa mais ou menos um quarto da capacidade dos reatores nucleares tradicionais.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, os SMR´s podem produzir grande quantidade de energia elétrica com baixo teor de carbono. Estão, portanto, em conformidade com os novos tempos, em que a descarbonização passou a ser um mantra em muitos países, inclusive o Brasil.
O SMR como esperança da indústria nuclear brasileira ficou bastante clara nesta quarta-feira, no segundo e último dia do Nuclear Legacy, um evento promovido pela Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan).
Entusiasmado por ter conseguido levar quatro ministros à solenidade de abertura do evento, na véspera, o que mostra força política do segmento, o presidente da Abdan, Celso Cunha, disse que a associação está se preparando desde já para participar, em 2024, da maior feira internacional sobre SMR´s, que será realizada na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos.
Para a indústria nuclear brasileira não há muitas alternativas. O País construiu duas usinas nucleares (Angra 1 e 2, que produzem energia elétrica sem problemas), mas empacou igual burro velho no projeto de Angra 3, que já consumiu bilhões de reais e ainda faltam outros bilhões para ser concluída.
Seguramente, a construção de Angra 3 é um dos maiores absurdos surgidos no Brasil em todas as épocas. Quase 70% do projeto já estão prontos, mas quem tem poder de decisão (Congresso e Governo Federal) insiste numa visão niilista de não enxergar valores na conclusão da usina. E todos em Brasília empurram com a barriga.
Sob qualquer viés que se analise a questão, é lógico que é melhor terminar a obra. Entretanto, diante de tanta miopia de quem toma as decisões em Brasília, Angra 3 se arrasta lentamente, quando seria muito mais racional acabar a obra o mais rapidamente possível, para que ela possa gerar energia elétrica e começar a faturar.
Os SMR´s têm inúmeras vantagens, além do custo. Como são pequenos e modulares, podem ser montados em um lugar e instalados em outro. Vale lembrar que reatores de tamanho grande são projetados para funcionar em local específico. Por exemplo: Angra dos Reis. Por causa disso, surgem inúmeras dificuldades nos projetos, como a infra-estrutura de redes.
Na visão da AIEA, as centrais elétricas baseadas em SMR podem exigir reabastecimentos menos frequentes, a cada 3 a 7 anos, em comparação com 1 a 2 anos para as centrais convencionais. Alguns SMR´s são projetados para operar por até 30 anos sem reabastecimento. É por isso que a indústria nuclear brasileira está morrendo de amores pelos pequenos reatores modulares.
Enquanto o SMR é apenas um sonho ainda um pouco distante de virar realidade, as empresas associadas à Abdan precisam tocar o dia pensando nos problemas atuais. “Vamos terminar Angra 3, em vez de ficar discutindo o ovo e a galinha”, diz Cunha.
Mário Menel da Cunha, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), não duvida que “o pior que pode acontecer é uma obra não concluída. Angra 3 tem 67% da obra pronta. O acionista, que aplicou mal o recurso, é que tem que arcar com isso”.
Entre os técnicos, não existem os preconceitos e estereótipos sem base científica, que circulam na internet em larga escala e que acabam alimentando o caldo de cultura que atrapalha a indústria nuclear brasileira, pois contamina eleitores, que contaminam congressistas e o Governo. E não se sai do lugar.
Ter esse tipo de preconceito não é o caso de Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Ele lembrou, no evento, que o ONS é neutro do ponto de vista tecnológico, sem preferências por determinadas fontes de geração elétrica, em detrimento de outras. “O ONS é técnico”, ele garantiu, explicando que, desde que uma usina, de qualquer fonte, esteja legalmente constituída e apta para produzir energia elétrica e jogar o insumo no sistema, dentro dos critérios operativos ela poderá ser despachada sem problema.
Nesse contexto, sem preconceitos, a energia nuclear é igual à eólica, à solar ou à hidráulica e tem sido assim na Operação do setor elétrico, diariamente, sem que os consumidores percebam.
Na sua visão, as usinas Angra 1 e 2 têm vários aspectos positivos, destacando-se o fato de terem sido construídas muito próximas do centro de carga (o Rio de Janeiro e São Paulo), o que evita custos elevados com a rede de transmissão. “É o tipo de usina que dá estabilidade ao sistema”, frisou Ciocchi.
Ele lembrou que hoje todo mundo está voltando os olhos para os SMR´s, mas que vários países se equivocaram enormemente em relação à energia nuclear e agora estão revendo as suas posições.
Dois países da chamada primeira linha embarcaram nesses erros estratégicos. O Japão, por exemplo, tinha 30% da geração elétrica produzidos por usinas nucleares. Mas, depois do acidente em Fukushima, reduziu para 6% e agora planeja uma retomada para alcançar algo em torno de 20%. A Alemanha é outro exemplo de erro de planejamento. Por pressão política do Partido Verde, desativou todas as suas usinas nucleares.
Aí veio a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que obviamente não estava no script. Os alemães deixaram de receber a energia barata que vinha da Rússia e passaram a comprar energia elétrica gerada por centrais nucleares francesas. E, pecado dos pecados, hoje também compram energia elétrica da Polônia gerada por centrais a carvão. Muitos no Partido Verde alemão devem ter pirado com essa opção, que foi fundamental para não deixar a poderosa e sofisticada Alemanha no escuro, vivendo todas as neuroses possíveis, pois é um país de economia industrial e que depende de exportações.
Para avançar na indústria nuclear, está claro que o Brasil precisará se modernizar em termos institucionais. Na Constituição Federal há um dispositivo que dá reserva de mercado ao Estado para atuar nessa área. Os SMR´s só poderão se viabilizar com eventual mudança no texto constitucional, colocando ponto final num monopólio que já não tem razão de existir.
Todo mundo sabe que grandes empresas da França, Rússia, China e Estados Unidos têm interesse em construir reatores tradicionais de grande ou pequeno porte tipo SMR no Brasil, mas esbarram no monopólio estatal das atividades nucleares. Sutilmente, essa foi uma das razões para a Abdan realizar o Nuclear Legacy em Brasília: precisa de mentes informadas e esclarecidas no Poder Executivo e no Poder Legislativo para atualizar a Constituição Federal.
No evento, Márcio Couto, da FGV Energia, mostrou o impacto socioeconômico das atividades nucleares no Brasil. Não é pouca coisa. Para cada R$ 1 bilhão investido no segmento, retornam à sociedade brasileira como um todo R$ 3,1 bilhões. Olhando-se apenas para o Rio de Janeiro, o Estado absorve 68% desse impacto. Em relação ao PIB do País, a área nuclear representa R$ 2 bilhões e gera 22,5 mil empregos (75% no Rio de Janeiro).
Quando se olha para o segmento nuclear, não se pode limitar o pensamento às usinas Angra 1 e 2. É preciso lembrar que existem também a medicina nuclear, usos agrícolas, usos industriais e também utilização em navios, que mostram uma espécie de alcance silencioso da energia nuclear. Só a área de medicina nuclear, segundo Couto, faturou no ano passado R$ 535 milhões, com 3,6 milhões de procedimentos, oferecendo 8,3 mil empregos diretos.
Essa é uma das razões pelas quais a Abdan desenvolve um projeto, junto com o Sebrae do Rio de Janeiro, visando a capacitar os pequenos e médios negócios para participar das licitações da área nuclear brasileira. Maíra Campos, gerente de Grandes Empreendimentos do Sebrae Rio, mostrou no evento que, desde 1994, mais de 72 mil empresas ligadas ao Sebrae já passaram por 362 projetos. E na área das PME, cada real investido gera R$ 3,30. É um projeto desenvolvido no entorno das usinas nucleares.
O que ninguém pode negar é que a indústria nuclear vai de vento em popa no planeta e é considerada energia limpa. Hoje, estão sendo construídos 20 reatores na China, oito na Índia, quatro na Turquia e três na Coréia do Sul, entre outros países. E o Brasil fica num blá-blá-blá sem sentido, amassando barro, como se estivesse arrependido de um dia ter feito a opção nuclear, sem saber o que fazer com o projeto de Angra 3.
Ciocchi, do ONS, que tem a responsabilidade profissional de fazer com que os brasileiros tenham energia em casa todos os dias, durante todas as horas, está livre desse dilema. Ele disse no evento que as questões que afligem a energia nuclear não constituem um problema e, sim, um desafio.
“Hoje, temos 20 GW de energia solar em operação no Brasil. Mas, quando o sol se põe, precisamos ter 20 GW de energia para colocar no lugar”, sintetizou. Ou seja, a energia nuclear, junto com outras fontes, entra nesse vácuo deixado pelas renováveis e complementa a oferta de energia elétrica aos consumidores. Só não enxerga quem não quer ou não sabe como funciona o sistema.