Câmara arbitral de olho no setor elétrico
Maurício Corrêa, de Brasília —-
Não são apenas os milhares de agentes registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que estão de olho nos negócios que deverão explodir com a esperada abertura do mercado.
Atrás dos negócios virão por gravidade eventuais divergências entre os agentes e muito atento a esse nicho de mercado está o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), a maior e mais tradicional câmara arbitral do país.
“Na CCEE, todos os contratos do mercado livre podem ir para a arbitragem. Só que tudo era direcionado para a FGV, que exercia uma espécie de monopólio. Isso mudou em 2022. E agora o CAM-CCBC já está devidamente credenciado junto à CCEE e estamos aptos para participar de eventuais arbitragens nessa área”, afirmou ao site “Paranoá Energia” o presidente do Centro, Rodrigo Fonseca.
Paranaense criado no Rio de Janeiro, com graduação na PUC carioca e vários cursos de aperfeiçoamento, inclusive o de Mestrado na Universidade Gama Filho, Fonseca conhece bem como funciona o Direito da Energia.
Mas, como explicou, nem sempre o árbitro é um advogado. É verdade que iniciativas relacionadas com o campo da Energia têm chegado cada vez mais ao Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá.
Um relatório da organização referente a 2022 indica que nesse ano houve 115 casos de arbitragem e cinco de mediação de iniciativa do Centro, dos quais casos de Energia representaram 10% na arbitragem (terceiro lugar, atrás de construção e saúde) e 20% na mediação (segundo lugar, atrás da construção).
Conforme explicou o presidente, a mediação tem se tornado uma maneira cada vez mais adotada para a resolução de conflitos empresariais no país. De fato, é possível arbitrar todas as pendências, desde disputas societárias, contratos comerciais (empréstimos, operações de leasing ou seguros), construção, energia, qualidade das mercadorias, serviços de saúde, contratos de concessão ou propriedade intelectual, entre outros.
Quem tem alguma pendência a resolver só tem duas alternativas: ou sofre durante anos intermináveis devido à lentidão e burocracia do processo judicial tradicional ou recorre à prática da arbitragem/mediação. A Lei da Arbitragem, no Brasil, entrou em vigor em 1996 e o CAM é uma espécie de braço da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. É a mais antiga do Brasil, mas não tem relação com o governo do Canadá.
Para Rodrigo Fonseca, o cenário é muito favorável ao aumento de iniciativas através do CAM-CCBC e não da Justiça tradicional, para resolver questões entre as empresas que operam na área de Energia. “Hoje, a arbitragem já é a primeira opção em contratos privados em questões envolvendo construção de hidrelétricas ou de linhas de transmissão, além de pendências no mercado livre de energia elétrica”, salientou.
Hoje, o Brasil é uma referência na arbitragem mundial, sendo reconhecido por suas práticas alinhadas com as dos principais players do globo. E isso se deve a Lei da Arbitragem, muito bem fundamentada, e aos regulamentos das Câmaras, que norteiam as disputas e permitem que as empresas possam resolver suas questões de forma mais rápida. Outro fator que ajudou esse reconhecimento internacional foi o fato de o Brasil aderir, em 2002, à Convenção de Nova York.
“Atualmente, os investidores estrangeiros no Brasil preferem claramente resolver as questões através da arbitragem. No passado, eles exigiam que a arbitragem fosse feita fora do Brasil. Mas hoje aceitam a nossa arbitragem, pois compreendem que o nível do que se pratica no Brasil está à altura do que ocorre em outros países desenvolvidos”, esclareceu Fonseca.
O relatório de 2022 mostra, por exemplo, que partes de 10 países diferentes, além do Brasil, recorreram à arbitragem brasileira. Segundo o presidente do CAM, agora, para arbitragens iniciadas a partir de 26 de abril de 2023, será válido um novo regulamento no CAM-CCBC, que tem como objetivo fornecer diretrizes específicas para casos de arbitragem relacionados à arbitragem societária.
Enfim, já existe a consciência, na área empresarial, que a arbitragem é um procedimento que soluciona conflitos, possuindo a mesma validade de um processo judicial. Ou seja, a sentença proferida por um árbitro (juiz privado) tem a mesma validade da sentença proferida pelo juiz estatal (ambas possuem a natureza de título executivo judicial).
Os ganhos são evidentes, num processo que é aparentemente simples, mas obviamente tem seu ritual. O autor indica uma pessoa, o réu outro representante e o árbitro julga. A média de tempo é infinitamente menor do que na Justiça tradicional. Em casos de contratos envolvendo operações do mercado livre, Fonseca acredita que o tempo médio gira em torno de um ano para se chegar a uma conclusão.
Quando a questão refere-se à construção de uma hidrelétrica, uma subestação ou linha de transmissão, demora-se um pouco mais, em torno de dois anos, pois sempre haverá perícias de engenharia, que são mais complexas e precisam de mais tempo.
Embora as perspectivas sejam boas, não é todo mundo que já se rendeu aos encantos da arbitragem. O presidente do CAM-CCBC explicou que algumas agências reguladoras, como a Anatel, a Anac e a ANP, já aceitam laudos produzidos pela arbitragem, mas a Aneel, não.
Em outras palavras, os agentes do setor elétrico confiam na arbitragem, mas a agência reguladora do setor está alguns passos atrás e ainda reza pela cartilha da Justiça tradicional. “A Aneel tá devagar, mas acredito que é só uma questão de pouco tempo. Não demora e a agência vai reconhecer a qualidade da nossa arbitragem”, finalizou Rodrigo Fonseca.