TCU detona governança do setor elétrico
Maurício Corrêa, de Brasília —
Aquilo que muitos agentes do setor elétrico pensam há anos, mas que evitam falar publicamente sobre o assunto, para não contrariar os poderosos que, nos bastidores, controlam o SEB e às vezes metem medo devido à capacidade de retaliação, finalmente foi evidenciado por um órgão público que não tem relação direta com o mercado de energia elétrica.
Numa investigação sobre o SEB, com foco na formação de preços e na geração fora da ordem de mérito (a chamada Gfom), o Tribunal de Contas da União não deixou por menos e colocou a boca no trombone. De acordo com o voto do ministro Benjamin Zymler, aprovado pelo plenário, ficou patente que a governança do setor elétrico é primária, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) não é transparente e o mecanismo de formação de preços com base em modelos computacionais é frágil.
Num voto de 14 páginas em espaço um, não ficou pedra sobre pedra na governança do setor elétrico, envolvendo os trabalhos do MME, ONS, Aneel, CCEE e EPE, um trabalho polêmico que, no dia a dia das operações do SEB, faz o dinheiro (muito dinheiro) mudar de mãos com facilidade, muito choro, vela ou comemoração, dependendo da movimentação nas contas bancárias dos agentes.
Na visão deste site, depois dessa avaliação do TCU, o mínimo que o setor elétrico tem a fazer é sentar, chorar e começar de novo. Porque a atual governança não tem mais credibilidade e já foi para o espaço.
O TCU entrou quente em cima da Operação do SEB, que é o grande motivo de orgulho do ONS. “Na presente auditoria constatou-se carência de indicadores e metas para a Operação do setor elétrico, dificultando mensurar se o planejamento da operação está eficaz e atinge aos seus objetivos, qual seja, a manutenção da confiabilidade do sistema pelo menor custo”.
Os auditores do Tribunal de Contas da União também analisaram os programas matemáticos que formam os preços do setor elétrico e destacaram no relatório uma das principais críticas feitas ao Cepel, que transformou os programas numa autêntica caixa preta e num dos maiores segredos da República.
“Historiando a utilização de modelos computacionais na operação do sistema, a unidade técnica alude que, desde o início, os softwares são desenvolvidos e disponibilizados, sob código fechado, pelo Cepel (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica). Para a AudElétrica, essa situação limita as possibilidades de melhoria dos modelos computacionais, pois concentra o desenvolvimento dos softwares em apenas uma instituição”, destacaram os auditores do TCU.
Os auditores da área de Energia Elétrica do TCU também lembraram que o Cepel continua sendo a única instituição desenvolvedora dos modelos oficiais da cadeia principal, figurando como a instituição que monopolisticamente oferece assessoria técnica na CPAMP. “Com o cuidado de reconhecer a capacidade técnica da entidade, a equipe de auditoria ponderou ser necessário avaliar a possibilidade de abertura para a participação mais ampla de outras instituições para assessoria técnica e desenvolvimento dos softwares, com potencial para inovações e aprimoramentos”.
A unidade técnica dos auditores do TCU propôs determinar ao MME que, em 360 dias, elabore e publique estudos técnicos sobre: a) vantagens e desvantagens da contratação exclusiva do Cepel como instituição desenvolvedora da cadeia principal de softwares de planejamento da operação (Newave, Decomp e Dessem) e assessoramento técnico; b) viabilidade da contratação de outras instituições para desenvolvimento e aprimoramento da cadeia principal de softwares; c) vantagens e desvantagens da manutenção do código fechado para a cadeia principal de softwares de planejamento da operação e d) obstáculos para utilização de código aberto para a cadeia principal de softwares de planejamento da operação.
Mas foi na chamada geração fora da ordem de mérito (Gfom), que o TCU colocou o dedo na ferida e apertou. “Logicamente que, em prol da transparência e motivação, tais despachos (extraordinários, diga-se) devem ser respaldados por fatores técnicos consistentes, inclusive quanto à eventual necessidade de reformulação dos parâmetros probabilísticos em casos de uso recorrente do Gfom. Afinal, mais uma vez, a geração fora da ordem de mérito resulta de uma operação que não obedece aos resultados dos modelos computacionais”.
“O processo de decisão sobre a Gfom/GEN ocorre nas reuniões do CMSE, em que há a participação do MME, da Aneel, da Agência Nacional do Petróleo (ANP), da CCEE, da EPE e do ONS e o seu rito se inicia com uma rodada de apresentações e discussões técnicas sobre os temas que serão tratados na reunião do comitê. Nessa dinâmica decisória, a unidade técnica identificou uma carência de clareza e transparência nas deliberações para a geração fora da ordem de mérito”, assinala o voto do relator.
“Inicialmente, quanto à motivação, constataram-se falhas no ciclo decisório, na medida em que as justificativas publicadas para as Gfom são sucintas e insuficientes para o controle social do tema. Relatou-se que nem as atas nem os anexos das reuniões, quando existentes, abordam todas as questões relevantes para motivar as ações tomadas em relação à decisão por despachar as usinas térmicas fora da ordem de mérito… Apurou-se que as reuniões do CMSE não são públicas, sendo desejável que a ata e os respectivos anexos sejam mais detalhados, apresentando premissas, relações de causas e consequências e impactos financeiros das intervenções. Haveria, aí, então, mácula ao princípio da publicidade… Apresentaram-se exemplos, como o caso da 260ª reunião ordinária, de 12/1/2022, que autorizou a geração fora da ordem do mérito, mas não foram publicados os argumentos que justificaram tal medida. A ata empreendeu, apenas, uma breve descrição das condições hídricas, energéticas e de restrições operativas do país, concluindo com uma autorização do CVU máximo e montante máximo de Gfom, sem que seja explicitado como as condições analisadas levaram aos números especificados”.
Os ministros do TCU concordaram com o voto do ministro Zymler e aprovaram que, no prazo de 180 dias, o CMSE elabore um plano de ação para regulamentar a utilização de indicadores e metas relacionados com os objetivos do planejamento da operação eletroenergética do SEB: elabore um plano de ação para regulamentar a realização de auditorias dos sistemas e dos procedimentos técnicos do ONS e, no prazo de 360 dias, elabore e publique estudos sobre os modelos computacionais em decorrência da participação histórica de uma única instituição desenvolvedora de softwares, no caso o Cepel.
O tribunal também quer conhecer as vantagens e desvantagens da contratação exclusiva do Cepel como instituição desenvolvedora da cadeia principal de softwares de planejamento da operação (programas Newave, Decomp e Dessem) e assessoramento técnico. Também quer saber se é vantajoso ou não para o SEB que exista o código fonte na cadeia principal de softwares que formam os preços do setor elétrico.
O TCU determinou ao CMSE que, no prazo de 180 dias, elabore um plano de ação para regulamentar procedimentos relativos à transparência das deliberações relacionadas à geração fora da ordem do mérito (GFOM/GEN), em especial no tocante à falta de clareza e transparência das deliberações para esse tipo de decisão.
Enfim, o TCU botou toda a área institucional do setor elétrico para dançar. Ao MME, foi recomendado que coordene a elaboração de estudos circunstanciados sobre as consequências esperadas no planejamento e na operação eletroenergética, bem como as estratégias para adaptação, em decorrência da transição energética e mudanças climáticas, com a elaboração de um plano de ação para estruturar ações concretas visando minimizar os impactos na segurança e custo de operação, considerando a inexistência de soluções técnicas para os desafios esperados com a transição energética e as mudanças climáticas.