ML perde a euforia e vira filme de horror
Maurício Corrêa, de Brasília —
Tudo indica que as piores tendências a respeito do PL 414 estão se confirmando. Parece que vem por aí um filme de horror. É impressionante como o cenário mudou, graças à irresponsabilidade de um executivo engraçadinho, no meio do ano, que fez uma brincadeira de mau gosto com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e este, bastante irritado, mandou engavetar o projeto.
Não era um projeto qualquer. Os defensores do mercado livre e que sonham com a sua abertura há mais de 20 anos, estavam totalmente convencidos que o PL 414 seria aprovado ainda no primeiro semestre deste ano. Que depois se levaria algum tempo para a necessária regulamentação, mas que, o setor elétrico brasileiro começaria 2023 devidamente modernizado e com o ML finalmente ampliado. Até os adversários da proposta já haviam se conformado com a sua implementação e trabalhavam nos bastidores apenas para diminuir os prejuízos.
Como em muitos casos é o inesperado que dá as cartas, aquilo que era líquido e certo virou uma enorme incerteza, a partir do momento em que o tal executivo deu uma entrevista em off para um jornal de grande circulação nacional, frisando que Lira operava uma espécie de “Centrãoduto”, valorizando a energia térmica a gás natural e criando custos impensáveis para alguns agentes do setor elétrico. A resposta de Lira foi imediata e praticamente o SEB inteiro teve que engolir seco, depois que o presidente da Câmara engavetou o projeto.
Veio a campanha eleitoral, no segundo semestre, e os congressistas naturalmente sumiram de Brasília. Cada um foi tratar da sua reeleição. Em termos de PL 414, o resultado da eleição foi um desastre, pois 15 dos 32 integrantes da Comissão Especial designada para examinar o projeto simplesmente não se reelegeram. Se o projeto ficar para 2023, o trabalho de convencimento dos congressistas começará do zero novamente.
Já foi percebido que o perfil dos novos congressistas é claramente conservador. Entretanto, isso não representa sinônimo de defensor do mercado livre de energia elétrica. Ou seja, ninguém sabe dizer ainda o que vem pela frente em relação ao PL 414.
Nesse contexto de dúvidas, aparentemente o desalento e a desconfiança tomam conta até mesmo dos comercializadores, o segmento mais diretamente interessado na ampliação do mercado livre.
Em uma mensagem dirigida às empresas associadas, nesta sexta-feira, 14 de outubro, a Abraceel perguntou: “As expectativas aumentaram, mas será que o PL 414 agora vai?”
Segundo a associação dos comercializadores, nos últimos dias ocorreram algumas sessões plenárias na Câmara dos Deputados, mas nenhum assunto relacionado ao tema de energia elétrica foi abordado. “Há expectativa de que o parecer do PL 414/2021 seja apresentado nas próximas semanas pelo relator do projeto, deputado Fernando Filho (União-PE), que foi reeleito para um novo mandato até 2027”.
Mas nem a própria associação parece acreditar no que diz aos seus associados, pois logo em seguida emenda: “O cenário para aprovação ainda em outubro, conforme promessa do presidente da Câmara, Arthur Lira, encontra dificuldades diante da proximidade do segundo turno das eleições e do fato de 15 dos 32 membros da Comissão Especial não terem sido reeleitos. É claro que, com disposição política, a aprovação pode acontecer, mas o próprio relator deve entrar de férias entre os dias 02 e 15 de novembro, o que aperta ainda mais o prazo para votação. Em paralelo, outros deputados ligados ao setor de energia seguem em negociação para que a votação ocorra o mais breve possível”.
O fato que não se pode negar é que a tramitação errática do PL 414 foi como um balde de água gelada nos defensores da abertura do mercado elétrico.
Este site — que defende o ML — não tem um pingo de alegria em lembrar três textos opinativos que disponibilizou, ainda no mês de junho, tão logo ficou configurada a tremenda lambança ocorrida com o PL 414.
No dia 21 de junho, uma nota na coluna “O que se diz”, assinalava que “se ficar para 2023, PL 414 vira uma incerteza”. No mesmo mês, dia 10, foi publicada uma opinião do editor com o título “O PL 414 subiu no telhado?”. E, no dia 24, outra nota da coluna “O que se diz”: “PL 414 x “Centrãoduto”. Continua rendendo”.
O que se vê, hoje, é que, mesmo em se tratando de textos especulativos, o “Paranoá Energia” não estava distante da realidade. Os defensores do PL 414 agora precisam levantar as mãos para o céu e rezar para que numa janela de tempo que vai de 15 de novembro até o final do período congressual, a proposta finalmente seja aprovada.
Algo difícil de imaginar, pois pode-se mais ou menos adivinhar em que se transformará o Brasil depois de conhecido o resultado de uma eleição presidencial tão polarizada. Além disso, existem outras propostas na pauta aguardando deliberação. Ou seja, o PL pode ser aprovado ainda em 2022, mas é extremamente difícil, embora não seja impossível.
Caso o PL não seja aprovado em 2022, ficará para não se sabe quando, pois os adversários da abertura do mercado elétrico estão aproveitando o tempo para se mobilizar e trabalhar contra. Era tudo o que queriam.
Houve um sopro de alento em relação ao ML, neste segundo semestre. No dia 28 de setembro, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, assinou uma Portaria histórica, que amplia o mercado livre de energia elétrica. A Portaria 50/2022 permite aos consumidores do mercado de alta tensão comprar energia elétrica de qualquer supridor.
Logo em seguida, Sachsida deu um novo empurrão em direção à modernização do SEB, ao assinar o documento que abre consulta pública para a abertura total do mercado elétrico, de forma escalonada, até 2028. Ambas as iniciativas são paralelas ao PL 414.
Como desgraça pouca é bobagem, coube ao diretor-geral da Aneel espanar o pouco otimismo que ainda caracteriza os defensores do PL 414. Numa entrevista coletiva na agência, no dia 07 de outubro, Sandoval Feitosa, disse diplomaticamente que o ML é irreversível, mas que a sua ampliação será feita na velocidade da prudência e não da pressa. Ele não demonstrou qualquer tipo de entusiasmo em relação à abertura do ML.
O diretor-geral da Aneel lembrou ainda que naquele dia tinha recém-chegado da Europa e pode observar, na viagem, que países campeões do liberalismo e defensores do mercado livre de energia elétrica, como Inglaterra, Alemanha e França, estavam, em níveis diferentes, sepultando esse mercado com iniciativas francamente opostas à liberdade de mercado, devido às consequências da guerra da Ucrânia.
Quando, no mesmo dia, os sites disponibilizaram a opinião de Feitosa, os defensores do ML não esconderam suas mágoas. Disseram um monte de coisas, algumas impublicáveis. Mas outras se salvam: “Esse Sandoval! Quem ele pensa que é?”, “O que deu no Sandoval?”, “Estamos há 20 anos esperando a abertura do ML e esse Sandoval agora vem dizer essas coisas?”.
Isso dá uma ideia da dramaticidade que envolve a questão, pois são bilhões de reais que podem mudar de mãos de uma hora para outra, a partir do momento em que existir efetiva liberdade de mercado e os consumidores de energia, como aconteceu com os consumidores de telecomunicações, no final dos anos 90, possam finalmente optar pelos supridores de energia elétrica.
Enquanto isso não acontece, o choro é livre e a fofoca come solta. Quanto ao executivo que é apontado no mercado como o autor da brincadeira ridícula do “Centrãoduto”, gerando toda a confusão, este está totalmente mergulhado desde junho. Não dá as caras para nada e, quando precisa tomar alguma iniciativa pública, pede socorro a um amigo laranja.