MME abre CP que escancara mercado elétrico
Maurício Corrêa, de Brasília —
O ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, continua com o pé no acelerador em relação ao mercado livre de energia elétrica e em busca da modernidade no SEB. Assinou uma portaria que dá mais um enorme passo na direção da abertura total do mercado para todos os consumidores de energia elétrica, colocando em consulta pública uma minuta que escancara o mercado e permitirá a todos os consumidores ligados na baixa tensão a opção para se tornarem livres. Enfim, depois de muito atraso, o século 21 está chegando ao setor elétrico brasileiro e o MME já não trabalha contra o ML.
Esta decisão ministerial se dá apenas 48 horas depois de uma outra portaria, que abre a possibilidade de acesso ao ML dos consumidores da alta tensão, a partir de janeiro de 2024. “Ampliando a prerrogativa dada aos consumidores de alta tensão, a proposta traz maior liberdade de escolha também para os consumidores de baixa tensão, incluindo os residenciais, comerciais e industriais. O resultado esperado pelo MME é a ampliação da competitividade do setor, ao permitir o acesso a outros fornecedores além das distribuidoras de energia elétrica, que atuam por meio de tarifa regulada”, diz um comunicado disponibilizado pelo MME na internet.
De forma prudente — o que é totalmente aceito pelo mercado — Sachsida propõe um escalonamento nesta nova portaria. A partir de 1º de janeiro de 2026, serão atendidos os consumidores da baixa tensão, à exceção daqueles integrantes das classes residencial e rural. Estes, entretanto, também poderão optar pela compra de energia e dizer um adeuzinho para as distribuidoras, onde hoje são consumidores cativos, a partir de 1º de janeiro de 2028.
Ou seja, o mercado brasileiro de energia será totalmente livre dentro de seis anos, se for aprovada a proposta do MME e o Brasil finalmente poderá dizer para o resto do mundo que, em termos de comercialização da energia elétrica, estará finalmente saindo do paleolítico e ingressando na idade contemporânea. A esperança mais uma vez está vencendo o medo e o desconhecimento.
Na visão do Governo, a abertura proporciona autonomia ao consumidor, que poderá gerenciar suas preferências, podendo optar por produtos que atendam melhor seu perfil de consumo, como os horários em que necessita consumir mais energia. “Além disso, a concorrência tende a proporcionar preços mais interessantes, melhorando a eficiência da economia, sendo uma medida inevitável e imprescindível à modernização do setor elétrico brasileiro”, alega o MME.
É um avanço e tanto em um país cujas autoridades do setor elétrico resistiram durante anos à modernidade e relegaram o protagonismo dos consumidores ao segundo plano, em detrimento de uma hipotética e falsa defesa da garantia de suprimento. Foi preciso um Sachsida da vida, que não nasceu no setor elétrico e que provavelmente só sabia acender e a apagar a luz, mas tinha muita experiência de Governo no mundo macroeconômico, para entender de forma diferente dos engenheiros eletricistas que durante décadas dominam o MME com uma visão militarista, cartesiana, ortodoxa e avessa à inovação de qualquer coisa.
No entendimento do PT, que durante toda a sua gestão de três mandatos e meio na Presidência trabalhou contra a ampliação do ML, sempre foi muito mais importante garantir a sobrevida das distribuidoras do que dar o direito de opção aos consumidores. Uma bobagem sem tamanho, fruto do desconhecimento e do preconceito ideológico contra qualquer coisa que cheira a liberdade de mercado. Era a chamada Doutrina Tolmasquim. Maurício Tolmasquim, aliás, há poucos dias, se declarou favorável ao mercado livre, o que representa uma notável mudança.
Em muitos países, o mercado elétrico se abriu e as distribuidoras continuaram a existir. No Brasil, o mercado de telecomunicações se abriu totalmente em 1998 e se alguém sair pelas ruas perguntando aos consumidores se eles preferem aquele mundo em que uma linha de celular custava 5 mil dólares, provavelmente vai levar um tapa na cara. O PT foi contra a privatização da Telebrás, nunca é demais esquecer. Mas também foi contra o Plano Real. Vá entender uma coisa dessas.
O chororô no SEB já começou tão logo Sachsida deixou claro que o seu compromisso é com os consumidores e a busca da eficiência no setor elétrico. Assim, que o MME liberou a portaria que estende aos consumidores da alta tensão o acesso ao mercado livre, a associação dos distribuidores de energia elétrica, a Abradee, disponibilizou um documento no qual argumenta que haverá um impacto de R$ 7,2 bilhões nas contas de luz dos consumidores. No entendimento da Abradee, o melhor caminho para modernizar o SEB seria continuar a tramitação, no Congresso Nacional, do PL 414.
O fato que ninguém pode negar é que os adversários do mercado livre estão horrorizados com a atitude de Sachsida. Não escondem que preferiam jogar o jogo no tapetão do Congresso Nacional, onde seus lobbies atuam com desenvoltura e competência. E são amigos íntimos de deputados e senadores, ficando em desvantagem no MME quando os engenheiros deixaram de dar as cartas.
É lógico que os distribuidores serão afetados, pois perderão clientes. Mas também é lógico que os consumidores terão a oportunidade de pagar contas menores, se puderem gerenciar os seus próprios suprimentos, sem depender das distribuidoras.
As distribuidoras não deixarão de existir. Só que o seu papel no SEB vai mudar radicalmente. Deixarão de ser o que são hoje e passarão a receber apenas a parcela correspondente ao volume de energia que transita pelas redes de distribuição. Esse é o novo papel a ser desempenhado pelas distribuidoras. Do ponto de vista da rentabilidade, ninguém dúvida que ser dono de uma distribuidora, a partir de 2028, não será um dos melhores negócios que existem na praça. Alguns provavelmente largarão a rapadura. Se alguém ficar pelo meio do caminho, paciência. O capitalismo, enfim, é criativo e às vezes cruel.
Essas mudanças, porém, não afetam apenas as distribuidoras, que há 100 anos fazem rigorosamente a mesma coisa. O mercado de geração hidrelétrica está sendo pesadamente impactado pela entrada no mercado das geradoras eólicas e solares. Nem por isso as geradoras hidrelétricas deixarão de existir. A questão a ser definida é como ganhar dinheiro nas novas circunstâncias do mercado.
Para alguns analistas mais pessimistas, os consumidores brasileiros poderão ter dificuldades para entender a migração para o ML. Mas este site entende que essa é uma visão preconceituosa. Hoje quem mais entende de operação com celulares são as pessoas mais simples do povo, pois elas aprenderam rapidamente a transitar de uma operadora de telecomunicações para outra, pois estão permanentemente de olho no bolso e sabem que essa é parte do corpo humano que sofre mais. São esses consumidores que mais entendem de tarifas de celulares. E o mesmo vai acontecer em relação ao setor elétrico. Os consumidores mais humildes aprenderão rapidamente como se faz a migração de um supridor para outro.
Não se pode negar que nesse novo SEB, o filé mignon vai migrar totalmente para o mercado livre e os distribuidores ficarão com o osso. Por isso, as distribuidoras precisarão botar a cabeça para funcionar, descobrir novos negócios e seguir em frente.
Segundo a proposta agora divuilgada pelo MME, será mantida a segregação entre atacado e varejo já definida na Portaria Normativa MME nº 50/2022, ou seja, os consumidores da baixa tensão que decidirem acessar o mercado livre serão representados por agente varejista perante a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A consulta pública irá debater a possibilidade do consumidor residencial escolher o seu fornecedor livremente a partir de 2028, e o comercial e o industrial a partir de 2026.
O MME reconhece que alguns temas ainda carecem de regulamentação e aprimoramentos, sendo os principais: regulamentação do supridor de última instância e do agregador de medição, revisão dos mecanismos de gestão de portfólio e descontratação das distribuidoras, aprimoramentos à comercialização varejista e separação das atividades de fio e energia. Não é pouca coisa a ser definida. Mas muitos países passaram pelo mesmo problema e o mundo não deixou de girar por causa disso.
“Em vista disso, o MME acredita que a definição das datas para a abertura total do mercado orientará os próximos passos dessa importante evolução do setor elétrico brasileiro. Nesse sentido, a proposta de portaria submetida à consulta pública define cronograma compatível com a necessidade de regulamentação, de forma que haja tempo hábil para discussão e preenchimento das lacunas regulatórias e dos aprimoramentos necessários”, assinala a portaria assinada por Sachsida.