Confidencialidade é dogma entre agentes
Maurício Corrêa, de Brasília —
Marco Antônio Sureck, um experiente operador do mercado livre de energia elétrica, com muitos anos de estrada, aproveitou uma reunião do grupo técnico da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), no dia 30 de setembro passado, para colocar o dedo na ferida e comentar um assunto que é um verdadeiro tabu entre os comercializadores há mais de 20 anos.
Segundo apurou este site, ao apresentar uma proposta da comercializadora Echoenergia — da qual é representante junto à associação — para o registro de contratos, que ocorre dentro da discussão maior de uma recomendação da CCEE visando ao monitoramento das operações do mercado livre, Sureck foi enfático.
Ele reconheceu que a forma atual de registro de contratos não é transparente. Inclusive buscou uma comparação clássica com o mercado de ações, o qual opera com transparência e gera credibilidade para as operações no dia a dia.
Especialista do mercado que nunca escondeu as suas opiniões e sempre foi reconhecido pela franqueza, Sureck também manifestou no grupo técnico da Abraceel que somente a CCEE tem condições para monitorar o mercado. Ele simplesmente não acredita que os próprios agentes, voluntariamente, possam efetuar uma espécie de monitoramento por conta própria. Entre os comercializadores, existem alguns otimistas que acreditam nesse conto de fadas.
Por isso, a proposta que apresentou em nome da comercializadora Echoenergia se caracteriza pelo estímulo ao registro antecipado dos contratos, com possibilidade de registro pelos compradores ou vendedores. Nesse contexto, haveria uma etapa de validação do registro dos contratos pela contraparte até o sexto dia útil. Caso essa validação não ocorra, o registro ficaria automaticamente extinto.
Para o executivo da Echoenergia, o vendedor poderia validar os contratos após o faturamento bilateral ou apresentação de garantias. Assim, o registro da parte compradora não afetaria as garantias e obrigações do contrato.
Mas, caso ocorra alguma mudança dos montantes acordados dos contratos, Marco Antônio Sureck então entende que essas condições alteradas deveriam ser tratadas como um novo contrato.
O tema é complexo e vem se arrastando há anos. Trata-se de uma situação vinculada à transparência das operações do mercado livre, que assume maior dimensão neste momento em que o mercado se prepara para dar um salto e ampliar as suas atividades, provavelmente a partir de 2022, com a expectativa da aprovação da proposta governamental de modernização do setor elétrico.
A própria CCEE se antecipou e tomou a iniciativa de oferecer uma proposta aos agentes, através de três notas técnicas encaminhadas à Aneel e que vem sendo discutidas com o mercado.
Para Sureck, não há mais como empurrar com a barriga, fugindo da discussão. No seu entendimento, a questão é clara: se não ocorrer a validação do contrato, pelo vendedor, até o sexto dia útil, o registro feito pela parte compradora simplesmente será extinto. Como complemento, para Sureck a CCEE será obrigada a penalizar aqueles agentes que por alguma razão não registrarem os contratos. É uma opinão corajosa, que encontra alguma resistência entre os próprios agentes.
Essa questão do registro dos contratos está diretamente vinculada a uma outra que não se relaciona com má fé ou picaretagem. Ocorre que, entre os comercializadores, há um princípio do qual não se pode afastar, que é aquele que preserva a confidencialidade dos contratos.
Neste caso, as condições contratuais não poderiam ser simplesmente abertas, pois dizem respeito apenas aos vendedores e compradores de energia elétrica. Essa reserva nos dados contratuais baliza uma série de atitudes estratégicas por parte das empresas, colocação de produtos no mercado, etc. Dentro da Abraceel, isto é uma espécie de dogma.
Na reunião do GT da Abraceel, um participante lembrou que, no mercado financeiro, normalmente os contratos são registrados em instituições do tipo da B3. No caso do mercado de energia elétrica, poderia ser feita uma adaptação, no sentido que a B3 poderia registrar esses contratos e apenas os volumes contratados seriam repassados à CCEE, sem ferir a confidencialidade das cláusulas financeiras dos contratos.
Essa questão ainda está sendo discutida internamente na Abraceel. Só depois de devidamente esgotada no âmbito do grupo técnico, será então enviada para a diretoria-executiva e, após, ao Conselho de Administração. Ou seja, ainda há muita água para correr por baixo da ponte.