Parque eólico não é apenas torres e ventos
Maurício Corrêa, de São Gonçalo do Amarante (Fortaleza) —
Quem pensa que para instalar um parque eólico basta ganhar um leilão, comprar e instalar os equipamentos e começar a ganhar dinheiro graças à força dos ventos, está solenemente enganado. O empreendedor tem que se envolver com um amplo trabalho que não tem relação direta com mundo da energia elétrica e que, na realidade, está relacionado com as desigualdades sociais do País. Em muitos casos, o empreendedor quase que chega a substituir o papel do Estado.
O complexo eólico de Taíba, localizado em São Gonçalo do Amarante, a 60 km de distância de Fortaleza, conta com três parques (Águia, Andorinha e Colônia) e 27 aerogeradores, com capacidade instalada total de 56,7 MW. Calejado pelo ofício, o diretor de Engenharia da Queiroz Galvão Energia, Luciano Freire, revela que o parque eólico não pode ser visto apenas sob a ótica da beleza natural das dunas ou do mar verde, que está muito próximo. “Não podemos esquecer que isto aqui é uma usina de geração de energia elétrica, muito mais confiável do que uma hidrelétrica. Estas torres trazem segurança para o sistema e hoje praticamente seguram a barra no suprimento do Nordeste”, afirmou para um grupo de jornalistas em visita a Taíba.
De fato, o complexo de Taíba é emblemático na história da energia eólica no Brasil. É produto de um leilão de energia de reserva realizado em 2009, mas entrou em operação comercial apenas em junho de 2014, quase dois anos fora do prazo. A fabricante Suzlon, da Índia, vendeu os equipamentos, mas depois entrou em dificuldades. A Queiroz Galvão Energia teve muitos problemas para colocar o parque em operação, tendo inclusive deslocado técnicos para a fábrica da Suzlon, para pressionar os fornecedores e acompanhar mais de perto a entrega do material contratado.
“Foi uma verdadeira operação de guerra, pois não tínhamos torres disponíveis”, explicou Luciano Freire. Esse é um diferencial de Taíba em relação a outros parques, pois a Queiroz Galvão teve que improvisar e a solução foi muito boa. Diante da dificuldade para receber as torres de aço que normalmente integram parques eólicos, utilizou concreto nas suas torres com 100 metros de altura. Deu certo e cada aerogerador tem capacidade instalada de 2,1 MW. O vento sopra forte na área do parque, com média de 8,7 metros por segundo. O fator de capacidade varia conforme o período do ano.
Sob o ponto de vista da operação (não é exatamente o caso de Taíba, que fez parte de um leilão de energia de reserva e pelas normas não pode migrar de um ambiente de comercialização para outro) os parques eólicos do Nordeste são muito complementares da operação hidrelétrica. Os meses de agosto, setembro e outubro, por exemplo, quando ocorre o pico dos ventos na região, coincidem com o período seco no Sudeste/Centro-Oeste, quando se torna mais difícil transferir energia para o Nordeste.
O diretor da Queiroz Galvão Energia lembra que o Nordeste vive um período muito seco há cinco anos e a situação, hoje, poderia ser muito pior, em termos de suprimento, caso não existissem as eólicas instaladas na região. “O vento aqui é um recurso super-abundante. Aliás, nossos ventos têm características excepcionais, pois eles são constantes, ao contrário dos ventos europeus, que são do tipo rajada. Lá, eles são mais fortes, mas diminuem e aumentam com muita intensidade, tornando a operação mais difícil. Aqui, a operação é mais previsível. Felizmente, o nosso vento aqui quase sempre sopra na mesma direção, o que também é muito bom”.
Atualmente, a Queiroz Galvão Energia conta com 350 MW de eólicas em operação, distribuídas em quatro complexos. Outros dois estão em construção, na Chapada do Araripe do vizinho Piauí (Caldeirão Grande I e II), o que acrescentará mais 400 MW à capacidade de geração eólica da empresa.
Mas quem olha apenas para as enormes torres de 100 metros e rotores com diâmetro de 95 metros não consegue enxergar o trabalho social que existe por trás de tudo isso. A primeira iniciativa do empreendedor consistiu no levantamento executado no entorno por assistentes sociais contratados pela empresa, que identificaram as famílias da área, qualificações, carências sociais, etc. O pessoal local foi treinado e aproveitado nas obras civis. Além disso, na fase de construção dos parques houve um forte aumento na geração do ISS, com crescimento da arrecadação da prefeitura local. Não é incomum um trabalhador local sem qualquer qualificação demonstrar aptidão na fase de treinamento e depois crescer profissionalmente dentro da empresa. Isso também ocorreu na região.
Juarez Lopes, assessor da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que acompanhava o grupo de jornalistas, explicou que os empreendedores de energia eólica não têm tido grandes problemas com a mão-de-obra, até porque uma cooperação firmada com várias unidades do Senai, no País, tem resultado na preparação de pessoal especializado de bom nível. “Nesta área, estamos bem atendidos”, garantiu Lopes.
Luciano Freire também lembrou que os proprietários das terras onde se situam os parques recebem uma renda adicional. Às vezes, a questão da propriedade das terras é um problema de primeira linha, mas, quando se resolve a dificuldade da titularidade, antes do início das obras paga-se um arrendamento pré-operacional. Mais tarde, o proprietário passa a receber entre 1% e 1,5% da geração, o que, nessas regiões quase sempre carentes, representa uma renda razoável.
Além disso, o contrato de financiamento assinado com o BNDES prevê uma contrapartida sócio-ambiental equivalente a 0,5% do valor do empreendimento, sem contar uma outra taxa de compensação ambiental igualmente de 0,5%. São taxas que oneram os projetos, mas, mesmo assim, Freire calcula que um parque possa dar retorno ao empreendedor no período de 12 a 15 anos. “Penso que esta é uma característica geral do setor elétrico brasileiro”, assinalou.
O técnico Lopes, da EPE, alegou que uma questão que tem passado ao largo das preocupações de governantes estaduais é o vandalismo em parques eólicos. “Isso tem acontecido demais e os governos estaduais não têm prestado muita atenção. Temos observado inclusive roubo de equipamentos”. Luciano Freire entende que são questões que não podem ser ignoradas. “Precisamos conviver com essas situações. Por esse e outros motivos, os empreendedores de parques eólicos, como acontece conosco, precisam estar em constante contato com as comunidades do entorno, através de assistentes sociais, sempre dialogando para tentar resolver essas questões que infelizmente às vezes acontecem”.