Edvaldo Santana: “Apagão na Península Ibérica parece com o do Brasil em 2023”
Maurício Corrêa, de Brasília —
Um dos mais respeitados especialistas em sistemas elétricos no Brasil, o consultor Edvaldo Santana (professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina e ex-diretor da Aneel) entende que o apagão ocorrido em Portugal, Espanha e parte da França acende um sinal amarelo para a eletricidade do mundo inteiro, pois guarda muitas semelhanças com eventos ocorridos na Austrália, em 2022, e no Brasil, em agosto de 2023.
“Os indícios de serem eventos semelhantes são muito fortes, embora ainda não sejam conhecidas as razões que levaram ao apagão nos sistemas elétricos da Espanha e Portugal. No Nordeste do Brasil, em 2023, ocorreu um problema numa linha de transmissão, mas, na Península Ibérica, estão demorando muito a identificar a raiz do problema. Se ficar provado que lá também houve interferências das gerações eólicas e solar, derrubando os sistemas elétricos, será uma bela confusão”, afirmou o especialista.
Para Edvaldo Santana, esse apagão na Península Ibérica mostra que um problema que a princípio parecia dominado, sob o aspecto técnico, simplesmente não está. E os países continuam sendo afetados. Ele explicou que, depois do episódio de agosto de 2023, o ONS deu palestras em vários países, para nivelar as informações técnicas com as autoridades locais, mas “aparentemente, não se prestou atenção nas lições. O problema está aí, preocupando todo mundo”.
De fato, o apagão no Brasil ocorreu numa terça-feira, dia 15 de agosto de 2023, com uma interrupção de 16 mil MW de carga em todo o País. O apagão foi observado em todos os estados e no Distrito Federal, com exceção de Roraima, que não estava conectado ao Sistema Interligado Nacional. Segundo a Aneel, na época, foi um “evento de grande porte”.
Da mesma forma que em Portugal e Espanha (a parte da França afetada pelo apagão foi muito pequena, apenas na região que faz fronteira com a Espanha e mesmo assim a energia nessa área foi rapidamente restabelecida), no Brasil o caos foi generalizado, impactando a vida das pessoas de todas as formas e gerando grandes prejuízos.
O ONS indicou que a principal causa para o apagão ocorrido no Brasil, em agosto de 2023 foi uma falha no desempenho de equipamentos de parques eólicos e solares, localizados próximos à linha de transmissão Quixadá – Fortaleza II, no Ceará.
Cerca de 29 milhões de habitantes ficaram sem energia, o que dá uma ideia do tamanho da confusão. Segundo relatório divulgado pelo Operador, apenas 10 dias depois do apagão, equipamentos responsáveis pelo controle de tensão em geradores eólicos e solares funcionaram abaixo do ideal.
Desde então, o ONS passou a aplicar restrições operativas em geradoras eólicas e solares do Nordeste. E, ao impedir que esses parques geradores, por questões de segurança do sistema, possam gerar toda a energia que estão em condições de produzir, surgiu um problema político de enormes proporções devido aos prejuízos causados aos agentes envolvidos.
Recentemente, foi criado um grupo de trabalho no âmbito do Ministério de Minas e Energia para tentar soluções para o evento que é chamado de “curtailment”.
Em Portugal e Espanha, a oscilação nos sistemas elétricos foi muito forte. O Operador da Espanha informou que, no momento da desconexão, a energia solar estava fornecendo cerca de 59% da eletricidade em todo o País, enquanto a eólica somava 12%. Ou seja, o sistema elétrico espanhol estava basicamente baseado nas energias renováveis no momento do apagão.
Edvaldo Santana, que está em contato direto com especialistas portugueses e espanhóis, explicou ainda que, decorridas apenas 24 horas após o início do apagão na Península Ibérica, a energia solar só produzia a metade do valor apontado segundos antes da ocorrência. “Será que já está sendo praticado lá algo parecido com o nosso curtailment? ? A conferir”, indagou Santana.