PLD perde credibilidade e agita mercado de curto prazo
Maurício Corrêa, de Brasília —
Desde a sua adoção, muita gente tem ganho e perdido uma boa quantidade de dinheiro com uma sigla curta de três letras, conhecida apenas pelos iniciados no mercado de energia elétrica. É o PLD – Preço de Liquidação das Diferenças, que é o preço de referência do mercado de curto prazo de energia elétrica no Brasil. Acontecimentos recentes mostram que o PLD está falido e que o governo e os agentes de mercado talvez tenham que encontrar uma outra referência que possa substitui-lo. Ou então alterar radicalmente as regras do jogo para que ele volte a ser um indicador confiável.
Partiu da própria Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), a organização que reúne os maiores conhecedores do PLD, a iniciativa de dizer à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que o PLD perdeu credibilidade como referência de preços do mercado de curto prazo. Uma fonte do mercado informou a este site que, na semana passada, a associação encaminhou uma correspondência polida, mas ao mesmo tempo dura, ao diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, mostrando que a Resolução 568 — que foi criada pela agência reguladora para aprimorar o processo de formação de preços — ao contrário, só trouxe insegurança jurídica, aumentou as incertezas do mercado, provocou impactos tributários e, como se isso tudo não fosse suficiente, ajudou a afundar ainda mais a frágil credibilidade do PLD.
Há anos, por uma questão de coerência, a associação sempre foi contra a republicação do PLD, admitindo essa possibilidade apenas nos casos de dolo por parte de algum agente. A bronca histórica dos associados da Abraceel com o PLD sempre se concentrou na forma como os dados são inseridos nos programas computacionais criados para calcular o preço de referência. Há poucos dias, em conversa com este site, um especialista do mercado, cansado de assistir à atual volatilidade intensa do PLD, que poucos especialistas conseguem entender, ironizou e disse que “se você tem uma máquina de fazer linguiça e enfia carne de porco na máquina, sairá linguiça de porco. Mas se você enfia vegetais, sairá uma linguiça vegana”. Com isso, ele quis dizer que os dados sobre chuvas, vazões e afluências podem estar sendo fornecidos erradamente aos modelos Newave e Decomp. Aí, os modelos calculam corretamente, mas em cima de dados errados, dando margem a oscilações fortes como as que vem se registrando no mercado de energia elétrica.
Na carta endereçada a Rufino, a Abraceel obviamente não tratou de linguiças e nem de comida vegana, mas igualmente mostrou a sua enorme preocupação com a questão da entrada dos dados nos modelos computacionais. Na visão da associação, a revisão da Resolução 568, que está em andamento na Aneel através da Audiência Pública 25/2017, reforça a necessidade de perseguir o aprimoramento do processo de definição dos dados de entrada para os modelos de formação de preços. A associação pede pela enésima vez à agência reguladora que impossibilite a republicação do PLD, algo que este site tem observado, ao longo dos anos, que a Aneel trata com visível má vontade.
A Abraceel lembrou à Aneel, mais uma vez, que têm sido detectados pelo ONS e CCEE “inúmeros erros” na definição dos dados de entrada para os modelos, tais como os indicadores da carga ou representação de usinas nos modelos. A gota d`água para a manifestação da associação parece ter sido uma decisão da Aneel no dia 1º de junho, quando foi autorizada a republicação do PLD referente à segunda, terceira e quarta semanas operativas de maio de 2017, após a constatação pela CCEE que 12 usinas termelétricas estavam representadas de forma inadequada nos modelos, impactando a formação dos preços.
“Observamos problemas na inserção de dados dos modelos em outras oportunidades e que refletem a necessidade de uma profunda revisão dos processos que envolvem a publicação do preço, com objetivo não só de evitar a ocorrência de novos erros, como a participação da CCEE, ONS, agentes setoriais e da Aneel, como órgão regulador e principalmente fiscalizador do processo”, diz a carta enviada pela associação.
Todos os agentes, que atuam no ambiente da CCEE — não apenas os comercializadores — estão preocupadíssimos com a volatilidade do PLD neste início de período seco, devido à extrema imprevisibilidade do preço de referência e das incertezas que essa volatilidade estão provocando ao próprio mercado, com um aumento demasiado dos riscos econômicos e financeiros.
No submercado Sul, por exemplo, o PLD atingiu o preço mínimo fixado pela Aneel, que é de R$ 33,68 por MW/h. Neste caso, há lógica, pois a região Sul tem se caracterizado nas últimas semanas por chuvas violentas, muito acima das médias históricas. Tanta água fez o PLD cair, com razão, no submercado Sul. Os especialistas do mercado, entretanto, se voltam para o PLD relativo aos submercados Sudeste e Centro-Oeste, que estão desabando em pleno período seco na região, tendo passado de R$ 471,16 para os atuais R$ 93,90 por MW/h, em pouquíssimas semanas. Em algumas comercializadoras, há gente se descabelando há vários dias, devido às perdas intensas com essa queda do preço de referência do MCP que ninguém consegue entender.
Um sinal apontado como pouco caso da Aneel com a questão da republicação do PLD é que a própria AP 25, que vai revisar a REN 568, foi criada dentro do modelo de “intercâmbio documental”. Por isso, a Abraceel também mandou uma carta ao relator da AP, diretor Reive Barros, argumentando que o assunto é muito importante para ser tratado assim de uma forma tão fria pela agência. Então, pediu ao diretor Reive que a AP fosse transformada para a modalidade de “sessão presencial”, de modo que os agentes possam, de viva voz, comparecer à reunião da diretoria colegiada da Aneel e colocar a boca no trombone.
Uma fonte explicou para este site que não se trata apenas de colocar um “band aid” no PLD e que a coisa é muito mais grave. Lembrou que todo o setor elétrico, ao longo dos anos, montou uma super-estrutura para calcular e acompanhar o PLD e que dezenas de pessoas hoje praticamente dependem dessa sigla de três letras para sobreviver. “Há anos, o ONS, a CCEE, consultores renomados, as geradoras, as comercializadoras e mesmo consumidores livres, entre outros segmentos, tem se preocupado com o PLD, tentando entender o seu bom ou mau humor. O fato concreto é que, hoje, estamos numa encruzilhada na história do setor elétrico e não dá mais para conviver com o atual PLD, pois ele não vale mais nada. E aí, como vamos fazer? Entendo que estamos no limiar de um daqueles momentos históricos, em que finalmente o PLD e o modelo de preços feitos por computadores irão para o sal e poderemos ter então o modelo que é praticado nos países civilizados, que é a oferta de preços através do mercado”, comentou o especialista, que preferiu permanecer no anonimato.