ONG´s querem que a Aneel não licite térmicas
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está voltada, no dia a dia, para conceitos vinculados ao setor: geração, transmissão, distribuição, barragens, térmicas, tensão, frequência e centenas de outros. Nesta terça-feira, 26 de abril, a agência reguladora teve a oportunidade de sair dessa bolha excessivamente técnica e estender o seu olhar em outra direção, tentando adivinhar o futuro. Olhar para a preocupação das pessoas com a qualidade dos aquíferos que existem no coração do País e com a vida que haverá, em uma vasta região, se o País continuar a investir desnecessariamente em usinas térmicas e se fizer a loucura — já proibida em outras partes do planeta — de tentar extrair o gás natural através da tecnologia conhecida como de “fraturamento hidráulico” ou “fracking”.
Essa é a visão básica apresentada na reunião semanal da diretoria colegiada da Aneel pelos representantes de uma frente ampla contra o “fracking” e as térmicas. A Coalizão Não Fracking Brasil é uma organização surpreendente, pois, no mesmo lado, como aliados, estão ambientalistas, líderes religiosos e representantes do agronegócio, que, como se sabe, em várias partes do País não costumam defender os mesmos pontos de vistas.
Juliano Bueno de Araújo fez uma apresentação oral na reunião da Aneel, nesta terça, quando citou o exemplo do Ceará, que tem uma baixa capacidade hidríca, mas, ainda assim, destina 60% de sua água para alimentar o processo industrial de térmicas a gás localizadas no estado. Kretã, um líder indígena da comunidade kainguangue, do Paraná, disse a este site que está particularmente preocupado com a situação dos aquíferos Guarani e Serra Geral (os aquíferos são gigantescas reservas de águas subterrâneas, localizadas na parte central do País), que seguramente seriam afetados, segundo garantiu, pela utilização do “fracking”.
“Estamos olhando para o futuro”, disse o cacique, pensando em situações básicas das pessoas comuns, como agricultura, alimentos, água e doenças. “Não podemos deixar que o uso indiscriminado dessas tecnologias destrua o País”, afirmou Kretã, lembrando que, em vários estados americanos, os políticos — pressionados pelos eleitores — proibiram a extração de gás natural através do fraturamento hidráulico, do mesmo modo como aconteceu em países europeus, como a França e a Bulgária.
A Coalizão Não Fracking Brasil (conhecida como Coesus) surgiu no oeste do Paraná, em 2013, conforme explicou a advogada Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil, uma das entidades que participam da Coalizão. Ela explicou que, nos Estados Unidos, várias empresas dedicadas ao “fracking” quebraram espetacularmente, pois só havia viabilidade nesse tipo de extração enquanto o barril do petróleo estava nas alturas, em torno de 140 dólares. No momento em que o preço desabou mundialmente, o “fracking” tornou-se inviável, razão pela qual ela não entende o motivo pelo qual a Agência Nacional de Petróleo ainda insiste em disponibilizar para licitação blocos de gás não convencional.
Conforme explicou, o subsolo, de acordo com a Constituição Federal brasileira, pertence à União. Nesse sentido, mostrou o exemplo hipotético de um pequeno sitiante do seu estado, que cuida da terra há várias gerações, e de repente aparece alguém, com um papel, dizendo que está autorizado a pesquisar e extrair gás natural pelo sistema de “fracking”. Isso aconteceu em larga escala nos Estados Unidos e, se talvez tenha contribuído um pouco para recuperar a debilitada economia americana, com certeza prejudicou centenas de pequenos sitiantes, que perderam tudo em suas terras, devido à destruição do lençol freático, exatamente o que se pretende evitar no Brasil.
O interesse conjunto de ambientalistas, índios e produtores rurais, no oeste do Paraná, na rica região formada por municípios como Umuarama, Toledo, Maringá e Londrina, entre outros, tem uma razão de ser. No estado, as propriedades rurais não têm a extensão das grandes fazendas do Centro-Oeste ou da região de Barreiras, na Bahia, por exemplo. Então, aqueles mesmos produtores que se dedicam à produção de suínos, soja e milho querem manter os seus negócios funcionando, transferindo a propriedade para os filhos e netos. Nesse sentido, a água é fundamental. Se o “fracking” compromete os lençóis freáticos, então o “fracking” é o inimigo comum.
André Pepitone, diretor da Aneel, disse, diplomaticamente, que a agência reguladora também é defensora do meio ambiente, tanto que estimula os projetos de energias renováveis, principalmente a éolica e a solar. De fato, a Aneel não pode se envolver na área de competência da ANP, que trata da extração do gás natural, mas, no âmbito da agência reguladora do setor elétrico, encontram-se as térmicas a gás natural, a carvão e a óleo, que representam o demònio para qualquer militante de defesa do meio ambiente.
Na próxima sexta-feira, 29 de abril, haverá um leilão promovido pela Aneel e os militantes da Coesus estão atentos ao que virá por aí. Entusiasmado com liminares que proíbem a exploração e produção de gás natural não convencional nos estados de Paraná, São Paulo, Alagoas, Piauí, Acre, Amazonas e Sergipe, a Coalizão agora quer impedir que saiam do papel 14 projetos de geração elétrica a partir de combustíveis fósseis.
Assim, entre os dias 02 e 15 de maio, os militantes organizarão um movimento de âmbito nacional, denominado “Liberte-se”, quando, em quatro regiões do País, serão tomadas iniciativas para mostrar às comunidades locais os impactos das mudanças climáticas e como no processo de desenvolvimento o País pode pular etapas, passando de uma economia baseada no petróleo para a economia lastreada em energias renováveis. As iniciativas serão promovidas no Acre, Ceará, Paraná e Espírito Santo.